RUA BERTA, 29

RUA BERTA, 29

Hoje passei pelo meu primeiro endereço em São Paulo.
Nunca estive muito longe dele depois de ter me mudado de lá há 46 anos.
Mas hoje quis estar ali. Prá rever, prá reviver, prá refletir e ressignificar.
E me lembrei que foi ali que experimentei o que é realmente sentir medo.
Porque até os 11 anos, morando em uma cidadezinha do interior de São Paulo, meus medos eram de cair de cima do muro, de não achar vaga na casinha do parquinho, de tirar nota ruim na prova e do mundo acabar quando eu estivesse na escola e longe da minha mãe.
Mas ali, naquela casa, surgiram outros medos e eu ainda lembro o quanto me sufocavam. Ainda posso sentir o frio na barriga e o aperto no peito.
Eu não sabia como lidar com o desconhecido e o receio do que esta cidade reservaria para mim.
Tinha medo da rejeição e me esforcei muito para ser aceita em grupos já formados, em amizades já solidificadas e em meio a pessoas tão diferentes de mim.
Tinha medo até mesmo do meu próprio sotaque caipira, carregado no “R”, que até hoje insisto em não perder.
Tinha medo de não me adaptar. Precisava me readequar ao mundo e provar para todos, e principalmente a mim mesma, que eu era capaz e que sobreviveria.
Sim, sobreviver. Porque a selva de pedras era um lobo mau aos olhos daquela menina assustada.
Na minha solidão inicial eu passava horas debruçada na mureta de um terraço. De lá do alto eu observava as pessoas indo e vindo. A vida pulsando naquela rua e na avenida de esquina. Era tudo muito diferente do interior e aqui eu não conhecia nenhum deles e ninguém sabia quem eu era.
Mas nem eu mesma sabia e hoje percebo que essa busca começou ali.
Porque ali naquela casa comecei a derramar meu pranto. Não mais pelas dores do joelho ralado ou por não ter ganhado uma boneca no Natal. Mas pelas dores que a gente não consegue entender nem explicar.
Ali sufoquei um amor e aprendi a escrever poesias. Meus lamentos de vários anos estão guardados em dois cadernos de capa dura que guardo como um tesouro. E quando releio algumas páginas sou capaz de reviver o que sentia quando expressei cada dor.
Pode ser apenas um endereço. Uma porta de duas folhas e uma escada de dois lances, alguns cômodos que resistem ao tempo e à ação de tantas outras pessoas que fizeram dali suas moradas.
Mas não posso negar o quanto de mim ainda existe naquele lugar e quanto da minha história foi ali que eu rabisquei.

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Inspiração

A nostalgia envolvendo minha chegada na cidade grande. O medo e luta para me reencontrar longe do lugar onde nasci e que amo até hoje..

Sobre a obra

Eu não tenho conhecimento de técnicas literárias. Apenas deixo meu coração falar e expressar seus sentimentos.

Sobre o autor

Sou romântica por natureza e por opção. Gosto de dar toques poéticos e brincar com as palavras ao escrever um texto sobre qualquer fato, por mais corriqueiro que seja.

Autor(a): MARIA CRISTINA TOLENTINO MORAIS CARLIN (CRIS TOLENTINO)

APCEF/SP