Domingo

Domingo

Penso que seja domingo, não sei o horário justamente por pensar que é domingo, olho pela janela basculante do meu apartamento que fica no trigésimo andar de um edifício qualquer, vejo a Avenida Paulista praticamente vazia, gosto dessa palavra “praticamente” porque ela serve praticamente para designar tudo que esteja praticamente indefinido, aparentemente não há aquele rebuliço, não estou certo se ainda usam essa palavra, tradicional das manhãs de domingo e da Paulista fechada para o trânsito de veículos, também não vejo veículos, nem os populares, afinal popular é o mesmo que influenciador digital? Se for, podemos adotar esse nome, nem as SUVs tão em moda em Países em desenvolvimento, lembro dessa designação dos anos 80, não tenho certeza se em quarenta e quatro anos já nos desenvolvemos o suficiente, em alguns Países “desenvolvidos” a população adota veículos menores, motonetas, bicicletas e até mesmo, o absurdo de caminhar, não na esteira de uma academia lotada de “acadêmicos” e sim nas ruas, caminhando em algum sentido, por algum sentido, me lembrei de um excelente filme “O sexto sentido” e de um ótimo trocadilho sobre um gatinho chamado Tido, voltando à observar a Paulista não vejo iPhones, Earbuds, tênis de dois mil reais nem shorts e camisetas com tecido tecnológico de última geração, vejo o que parece ser um jacaré atravessando, na faixa e com o sinal verde para ele, o cruzamento da Avenida Ipiranga com a Avenida São João, não sei se é possível ter simultaneamente as duas vistas que mencionei, mas precisava incluir esse trecho de música nesse texto, o mais estranho não é o jacaré, ele pode muito bem ser uma mutação genética ou simplesmente ter escapado de algum lugar, o impressionante é ele atravessar na faixa e com o sinal aberto para os pedestres, outra coisa que reparo no jacaré é o fato dele utilizar o lado direito da calçada para caminhar, que é uma convenção internacional pouco utilizada pelos pedestres Brasileiros e pelo que sei pelos Ingleses também, me distraio um pouco e olho para o edifício em frente e vejo uma bandeira de um clube de futebol na janela de um apartamento, utilizando meus conhecimentos futebolísticos adquiridos nos anos 90, não no “streaming”, que ainda não existia, mas sim numa emissora de TV aberta que se auto intitulava o “Canal do Esporte” e transmitia os jogos do Campeonato Italiano, na época o suprassumo do futebol Europeu, se não me engano Supra Sumo era uma bala ou pastilha, que vinha numa caixinha, caríssima, anterior à essa época, identifiquei a bandeira como sendo do Napoli, clube do Sul da Itália onde jogou o Maradona, aquele cara que aparece em vídeos do TIK TOK fazendo embaixada, sim isso pode até ter a ver com diplomacia, mas nesse caso é a habilidade com uma bola de futebol, ao som de “Life is life” uma música de 1984 interpretada por uma banda de um único sucesso ou hit como queiram, chamada Opus, fiquei assustado, considerando que é possível avaliar as pessoas pelas cores e bandeiras que ostentam, meus vizinhos podem ser mafiosos ou coisa pior, gosto dessa expressão “coisa pior” como gosto de “praticamente” porque significam muita coisa sem significar nada, ainda não sei que horas são, fecho a cortina sem fechar a basculante e o vento obviamente engole a cortina que comprei no crediário, eu não vou explicar o quê é porque demandaria muito tempo, mas é tipo um PIX de papel, se é que isso é possível, meus filhos e minha esposa pareciam zumbis, sem os seus smartphones, vagando pela sala, sem um sentido, mais ou menos como as pessoas nas esteiras, enquanto na minha cabeça tocava “Zombie” do “The Cranberries”, zumbis? Olhei novamente pela janela e nem o jacaré estava lá, lembrei do Raul Seixas e da música “O dia em que a terra parou”, será que foi isso que aconteceu? Como vamos conversar sem as redes sociais? Como vamos ouvir música ou assistir filmes sem o streaming? Pensando melhor, essa expressão, tal como o “veja bem” que questiona a capacidade de enxergar do seu interlocutor, e juntamente com “você que entende de tal coisa vai concordar comigo”, questionam a própria capacidade intelectual e a de terceiros, imagino que estamos sem energia elétrica para recarregar a bateria dos smartphones, mas se essa condição permanecer posso usar a air fryer para guardar meus CDs, que é tipo um streaming de policarbonato, e que também é muito cedo para se estar na rua num domingo, não para o jacaré, gostaria de terminar com um “tá ligado” que é usado em todos os diálogos atualmente, virtuais ou não, mas que também não significa nada, poderia ler um jornal impresso que não existe mais, mas sento na frente da televisão, que horas são?, e vou esperar começar o programa Silvio Santos, me parece muito cedo para o “Fantástico” e sua música apocalíptica anunciando que a segunda está chegando, afinal de contas é domingo e como cantam os Titãs: “é dia de descanso, não precisava tanto, é dia de descanso, Programa Silvio Santos”.

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Inspiração

Não houve uma inspiração específica e sim a reunião de pensamentos e observações obtidos num "curto" espaço de tempo ou para ser mais preciso, se é que é preciso, em cinquenta e nove anos de vida.

Sobre a obra

Trata-se de uma alegoria sobre o cotidiano e como algumas situações, pelo menos no meu ponto de vista, podem ser permeadas com citações, músicas e algum humor.

Sobre o autor

Não me vejo como alguém com talento e sim como alguém que pensa, logo existe, e expressa, eventualmente, esses pensamentos.

Autor(a): JULIO CESAR FLORENCIO DOS REIS (Julio Reis )

APCEF/PR


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