A primeira metáfora

A primeira metáfora

Há alguns dias, passei pela Avenida Princesa Isabel, no município de São José dos Campos, interior de São Paulo... Impossível não ter fitado os olhos à esquerda, quase ao final da via: nem indício da casinha verde que ficava no número 1791, onde moravam os meus avós maternos; nem suspeita da romãzeira que morava na calçada, nem das roseiras coloridas plantadas no jardim da frente; nem sinal das duas muretas da varanda que tinha vista para a avenida, bem ali onde eu sentava, quando era criança, para conversar com o meu avô João.
Nunca ouvi meu avô enaltecendo coisas materiais: carros, terrenos ou dinheiro. A imagem que sempre vem à minha mente quando recrio as cenas de conversas nas muretas é a do rosto sereno de um homem íntegro; pai, avô e esposo amoroso, desapegado no sentido mais nobre e leve como um barco de papel flutuando pela vida... Minha mais bonita lembrança das prosas com o meu avô não deixa claro se naquela tarde chovia ou se fazia sol; porém, é nítida a lembrança da minha voz, ainda de criança, perguntando ao meu avô:
– “Vô”, a “vó” era bonita?
Avô João, com o olhar sereno, lindo sotaque caipira, voz aveludada, sorriso de menino e uma riqueza poética que nenhum recurso financeiro ofereceria, me respondeu:
– Ah, minha “fia”... Sua “vó” era como a gota d’água na folha de taioba...
Foi nessa singela conversa que eu entendi o que era uma figura de linguagem. A “gota d’água na folha de taioba” foi a primeira metáfora que entrou na minha lembrança; também a mais pura e linda que já ouvi.
Meu avô João partiu há mais de uma década, com toda a própria plenitude e desapego. Às vezes um cisco entra no meu olho quando penso que em cada pedacinho do mundo pode estar escondida uma história de afeto ou de desafeto. De vez em quando passo em frente à farmácia que fica na mesma avenida e no mesmo local da antiga casinha verde onde moravam os meus avós. Vovô João está sentado em uma das muretas. Ali também habita uma gota d’água reluzente, em uma enorme folha de taioba. Ali tem amor; também tem amor aqui, num lugar chamado memória.

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Inspiração

A inspiração para essa obra veio da emoção ao recordar o meu primeiro contato com uma metáfora. Para mim, metáfora sempre teve relação com amor. Esse conto explica o motivo da ligação dessa figura de linguagem com o mais puro afeto.

Sobre a obra

Esse conto surgiu da seguinte mistura: lembrança, afeto e saudade.

Sobre o autor

Gosto de contar histórias sempre, em qualquer lugar; desse gosto por contos, surge a inspiração para escrever...

Autor(a): SORAYA RAQUEL SEGOLIN LOPES (Sol Segolin)

APCEF/SP