A HERANÇA DE PAPAI

A HERANÇA DE PAPAI


O falecimento de um ente querido sempre é doloroso para qualquer pessoa. Não poderia ser diferente comigo quando meu pai faleceu. Mesmo diante dos seus 93 anos muito bem vividos.
O consolo maior, além do afeto e solidariedade demonstrados por uma multidão de parentes, amigos e conhecidos, veio da lembrança de toda sua história de vida e da certeza que sua missão na terra fora cumprida. Fui testemunha de muitas das suas realizações ao longo de meus setenta anos, além de conhecer sua história antes de mim, contadas por ele mesmo ou por pessoas de sua época. Suas ¨peripécias¨ dariam, sim, um bom livro que aqui não caberia.
Homem inquieto e muito criativo, não poderia deixar de ser um empreendedor nato e com infinita disposição para o trabalho. Não é à toa que foi de motorista de ¨carro de praça¨, alfaiate, músico, mascate, caminhoneiro, comerciante, construtor, escritor e até político.
Mas o que exercia um fascínio maior sobre ele era fabricar, criando o máximo de empregos no pequeno município: de sapatos, móveis, manilhas de barro, blocos, telhas, pré-moldados de cimento e até uma fabriqueta de assentos sanitários em madeira que não foi lá muito bem sucedida.
Seu empreendedorismo deu oportunidade a muita gente, numa época e lugar de poucas oportunidades e, ainda por cima, desinformação sobre direitos trabalhistas. Nem carteira de trabalho existia naquele ¨fim de mundo¨ naqueles tempos.
Sua conhecida generosidade fazia com que as portas da sua casa ficassem sempre abertas e sua enorme mesa sempre cabia mais um. Com um apurado senso de justiça, aplicava sua própria CLT, nem um pouco conhecida. Aqueles que trabalhavam com ele sabiam que suas famílias estavam protegidas e que poderiam contar com sua assistência quando preciso fosse. Assim como qualquer outro que batesse a sua porta, se estivesse fechada. Aqueles que ficaram mais tempo sob seu comando, alguns até com o status de compadre, eram agraciados com benfeitorias em suas casas, quando não a casa completa. Com a facilidade de materiais que eles mesmo produziam e em regime de mutirão, a coisa funcionava.
Assim era o meu velho! Partiu após 72 anos casado com minha mãe, tão lúcido como sempre foi.
Após um ano do sepultamento, viajei algumas centenas de quilômetros e fui visitar seu túmulo. O silêncio imperava no local quase deserto. Apenas dois homens conversavam à sombra de uma única árvore existente no cemitério. Terminei minhas orações e passava próximo a eles para ir embora quando um deles, que eu não conhecia, perguntou de quem era a sepultura. Expliquei que era de meu pai e ele comentou:
- Aí descansa um bom homem. Não sabia que tinha vivido tanto! Jamais esquecerei o que ele fez por mim.
Daí ele contou que há muitos anos chegou na cidade e começou a construir uma pequena casa. Só faltava cobrir mas o dinheiro acabou e ele tentou comprar fiado em dois estabelecimentos mas não aceitaram. Meu pai era sua última chance de cobrir a casa, antes que as trovoadas chegassem.
O crédito foi concedido junto com a promessa que a madeira e as telhas seriam entregues no mesmo dia.
Dois ou três dias depois, contou o homem, estava cobrindo a casa às carreiras, pois as nuvens negras anunciavam as benditas trovoadas, quando viu que as telhas não seriam suficientes. Por obra do destino meu pai estava, ele mesmo, fazendo uma entrega com o caminhão na mesma rua. Comovido, aquele homem contou-me que pediu mais um crédito para concluir o telhado. Não só as telhas que faltavam chegaram como mais dois trabalhadores para colocá-las em cima. Foi terminando e a chuva caiu com força!
Ainda com lágrimas nos olhos, aquele cidadão concluiu:
Não sei se seu pai lhe deixou grandes fortunas. Mas com certeza a maior herança que um homem pode deixar é seu exemplo!





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Inspiração

A LEMBRANÇA DO MEU PAI QUE NOS DEIXOU, A VIDA CHEIA DE HISTÓRIAS E SOBRETUDO AÇÕES EXEMPLARES DE AMOR AO PRÓXIMO.

Sobre a obra

É UMA TENTATIVA DE EXPRESSAR EM POUCAS LINHAS QUEM FOI O MEU PAI, A MINHA VISÃO SOBRE UM HOMEM EXTRAORDINÁRIO.OBRA EM TOM DE NARRATIVA DE FATOS VIVIDOS, EM PRIMEIRA PESSOA,

Sobre o autor

APOSENTADO DA CAIXA , SEMPRE QUE POSSO CONTRIBUO COM ALGUMA CRIAÇÃO. PRINCIPALMENTE EM LITERATURA.

Autor(a): FILADELFO DA ROCHA NETO (ROCHINHA)

APCEF/SE


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