Um Garoto que Conheci

UM GAROTO QUE CONHECI
By Will lima

São duas horas da manhã. Eu ainda não consegui dormi. Isso não pode ter acontecido, eu fico repetindo para mim mesma. Mas ele não é ninguém importante para mim, apenas um garoto que eu conheci. Eu o conheci há, o quê... um mês e meio? Sim, mais ou menos um mês e meio... É isso. Foi no início do Outono quando o vi pela primeira vez... Ele estava cheio de vida, embora estivesse um pouco pálido. Mas o fogo da vida estava em seus olhos. Ele estava pulsando de energia... Sorrindo.

Sendo uma enfermeira você não vê muitos rostos sorridentes. Minha mãe sempre me disse: “Você é uma pessoa muito forte, Paula. Você pode olhar para pessoas doentes o dia todo e ainda sentir que, de alguma forma, você pode trazer a luz de volta em seus rostos.” Bom, talvez eu seja uma pessoa forte. Eu já sabia o que iria enfrentar quando decidir ser enfermeira. Eu me preparei para isto durante anos. Mas, então, porque eu não consigo dormir?

Oh... Onde eu estava? Ah, sim. Um enfermeiro não vê muitos rostos felizes. Mas o dele era. O meu dia ficou muito melhor, sabendo que mesmo estando doente, aquele garoto no quarto 13 ainda tinha forças para sorrir. E eu sorria junto com ele. Não sei bem por que... Eu acho que era porque gosto muito de crianças. E ele estava sorrindo, como se todo o mundo fosse o seu playground.

Imagine o quão feliz eu estava sabendo que tinha sido escalada para cuida da ala onde ele estava. O sorriso dele era contagiante. Porém, a primeira vez em que cheguei a sua ala, uma linda senhora loira saiu chorando de seu quarto. Eu disse olá, passei pra ela uns lencinhos de papel, pedi licença e entrei no quarto. O garoto estava na cama, um pouco pálido e com manchas azuis embaixo dos olhos. Ele sorriu pra mim

“Oi!”, eu disse tentando soar o mais casual possível. “Eu sou Paula, e vou ser sua enfermeira. Qual é o seu nome?” “Oi, Paula. Eu sou Felipe.” Ele sorriu ainda mais.
“Então... Eu espero que esteja feliz, mestre, pois a partir de agora sou o seu gênio. Seu desejo é uma ordem” Eu disse em tom de brincadeira. “Qual é o vosso desejo? Canja de galinha ou mingau?”
“Acho que a canja seria melhor...” disse Felipe com visível aversão ao mingau.
“Uma canja é o seu desejo e eu obedeço!” Eu disse antes de sair do quarto. Ele deu uma gargalhada tímida. “Eu acho que vou adorar trabalhar aqui.”, pensei comigo mesma.

Do lado de fora ainda estava aquela mulher, chorando e chorando. Outra mulher estava confortando-a. Eu fiquei curiosa, mas precisava fazer o meu trabalho. Em três minutos eu estava de volta com a canja de galinha. E lá estava ela, ainda chorando. Mas parecia ter se acalmado um pouco. Eu sorri para ela, sem saber mais o que fazer e entrei no quarto. Felipe estava esperando. Ele tinha colocado um travesseiro sob suas costas e estava pronto para comer. Eu sorri para ele e ele sorriu de volta, mas enquanto a porta estava fechando ele notou – e ouviu – a senhora do corredor e seu rosto se fechou, o sorriso lentamente desaparecendo. Eu disse então:
“É, ela está chorando há um bom tempo...” “Não... Não tem nada que você possa fazer...” disse Felipe, um tímido sorriso retornando ao seu rosto, mas seus olhos, que mostrava a sua tristeza, olharam diretamente nos meus. “Ela é a minha mãe.”
“Verdade? E porque ela está tão triste?”, perguntei, sem ter a menor idéia do que poderia ser.
“Sim... Ela... Ela tem chorado muito ultimamente, desde que fui internado novamente, por causa do câncer.” Respondeu Felipe com tristeza, como se fosse sua culpa a sua mãe estar chorando. Mas levou-me de dois a três segundos para que a ultima parte da frase fizesse sentido para mim. E o meu coração quebrou-se inteiramente.

CÂNCER?! Oh, meu Deus!!! Esse simpático e sorridente garoto tem câncer ?!?

Eu percebi, então, que havia ficado em silêncio por muito tempo com uma expressão de assombro em meu rosto. ”Não assuste a criança”, eu pensei. E forcei-me a colocar a mesma expressão casual, como se todos os garotos do mundo tivessem câncer.
“É, as mães são assim mesmo...” Eu me forcei a falar, com outro sorriso.

Felipe olhou para mim, sorriu e pareceu estar aliviado por eu não esta tratando ele como se ele fosse morrer a qualquer momento. Eu fiquei feliz porque soube que havia lidado com a situação da forma correta.

“Ok... Deixe-me colocar isto aqui pra você...” Eu disse colocando o prato na mesinha ao lado da cama e movendo a mesinha para a cama. Felipe pegou a colher, provou a sopa e olhou para mim. E eu disse: “Não é nenhum restaurante cinco estrelas, mas vai te fazer ficar mais forte.
“Não, na verdade está melhor do que eu esperava. Melhor do que a do último hospital onde eu estive.”
“Este garoto é demais!” Eu pensei. E quando eu estava me preparando para ir embora ele disse: “Há quanto tempo você está aqui? Digo, há quanto tempo você trabalha neste hospital? Espere... Não fique aí parada pegue uma cadeira, vamos conversar...”
Coloquei uma cadeira próxima à cama, olhei para ele e sorri. Ele esperou que eu me sentasse e perguntou novamente: “Então, há quanto tempo você está trabalhando aqui?”

Aí começou. Todos os dias, a cada momento livre, eu estava em seu quarto. Conversando, brincando, contando estórias, comendo... Felipe era um garoto muito inteligente e simpático. Ele fez os meus dias voarem. Todas as manhãs eu estava acordando uma hora antes, acho que por causa da alegria que ele me passava.
Eu conversei com um dos médicos que eram meus amigos e descobri que Felipe tinha sido diagnosticado com um caso raro de câncer de estômago há uns dois anos atrás, quando ele tinha dez anos. Ele foi tratado e o câncer recuou. E quando todos pensavam que aquele momento ruim já era página virada e tudo estava bem, há um mês atrás complicações voltaram a aparecer e desde então ele foi levado de hospital em hospital até que finalmente foi trazido a este, onde ele iria receber um novo tratamento experimental. Sua última chance.

Eu estava sempre impressionada com a tremenda força que este garoto demonstrava. Ele tinha uma das mais sérias e mortais doenças conhecidas pelo homem, e ainda assim ele se mantia firme. Ele não mostrava nenhum sinal de desistência ou fraqueza. Ele era sempre aquele que alegrava todos, inclusive eu, e logo ele se tornou o paciente favorito de todos. Todos conheciam Felipe e a maioria tinha inveja por eu estar trabalhando naquela ala.
Logo eu vim a conhecer e fazer amizade com a mãe de Felipe. Seu nome era Sheila e ela era uma pessoa adorável, carinhosa e totalmente dedicada ao filho. Felipe tinha muita sorte de tê-la como sua mãe... Mas ela não era tão forte quanto Felipe. Quando o câncer voltou, ela ficou muito deprimida, chorando o tempo tudo, ela amava seu filho tanto e não podia suportar a idéia que ele tinha uma doença terminal. Ela sempre estava chorando todas as vezes que deixava o quarto, e sempre me fazia cair em uma mini depressão. Quem sempre me resgatava era o Felipe, com seu constante otimismo e a sua inabalável alegria.

Eu me lembro de uma conversa que tive com Felipe, após a sua mãe deixar o quarto...
“Porque a minha mãe chora tanto?” perguntou Felipe, sério, logo após eu ter trazido a sopa. “Digo... Eu sei por que, mas... Sou eu quem tem câncer. Não sou eu quem deveria estar chorando?” Eu olhei para ele. Seu rosto pálido, seus olhos castanhos, buscando justiça do mundo. Meu coração ficou pequenininho quando nossos olhos se encontraram.
“Bem... Eu acho que ela não é tão forte quanto você, Felipe. Lidar com a doença de uma criança pode ser um verdadeiro pesadelo para os pais...”
Ele baixou seus olhos, olhando para a sopa. Então disse baixinho:
“Eu sei... Quanto penso sobre isto não tenho muito para contrabalançar a minha doença. Quer dizer... Eu não saio por aí gritando: ‘Porque isto aconteceu comigo... O que eu fiz para merecer isto. ’... Eu apenas aceito as coisas como elas são. Mas eu realmente queria não ter câncer... Porque a minha mãe fica muito triste... Eu só quero que ela fique feliz de novo. Então acho que eu queria isto, por ela. Queria não ter câncer...”

Meus olhos se encheram de lágrimas, meu coração despedaçado. Eu abracei Felipe forte e disse a única coisa na qual pude pensar:
“Você e eu, campeão. Você e eu...”
Felipe então me afastou um pouco gentilmente, olhou fundo nos meus olhos e disse:
“Paula... Sabe... Uumm... Eu só queria te agradecer. Sabe... Por esta aqui. Você realmente me ajudou. Eu não sei como demonstrar isto, mas teria ficado muito pior se você não estivesse aqui. Eu sei que você não tem que passar tanto tempo aqui comigo. Então... Sabe... Obrigado.”
E ele me abraçou novamente. As lágrimas não paravam de cair de meus olhos. Mas neste momento, eu estava disposta a sacrificar a minha própria vida, se fosse para ajudar este garoto. Mas eu sabia que o único que podia realmente ajudá-lo era Deus.
Após 28 dias, ele começou a piorar. Felipe foi novamente submetido à terapia e voltou a perder o seu cabelo. A seu pedido, raspei sua cabeça. Ele não queria que ninguém mais fizesse, só eu.

Nós ainda passávamos um bom tempo juntos, embora ele estivesse ficando cada vez mais fraco por causa do tratamento e não podia falar por muito tempo. Mas ele começou a melhorar. A cor estava retornando para seu rosto. Ele estava novamente sorrindo... Eu estava nas nuvens, muito feliz porque o meu amiguinho estava melhor...
Há muitas semanas atrás, ele pôde sair da cama e, usando um boné para esconde a sua cabeça careca, ele foi comigo e a mãe dele até o jardim do hospital. Felipe estava tomando banho de sol, gargalhando, sorrindo. E o mundo estava sorrindo de volta pra ele.

Hoje o dia começou como qualquer outro. Mas quando eu saí do hospital, algo estava diferente. O clima havia mudado. Eu estava imaginando o que estava errado, e porque todos estavam olhando para mim estranhamente. Logo descobri que Felipe tinha piorado na noite anterior e não estava bem. Ele ainda estava no quarto 13, mas eu estava com medo de entrar. Sheila estava chorando do lado de fora. Finalmente uma das enfermeiras disse que ele chamou o meu nome. Eu entrei, apavorada. Felipe estava pálido e parecia muito fraco. Sua energia pulsante não estava mais lá. Ele sorriu para mim e pediu para que eu me sentasse. Depois que me sentei, ele sussurrou:
“Não se preocupe, Paula. Eu já tive assim antes, eu vou melhorar de novo. Enquanto você estiver aqui comigo, eu vou estar bem.”
E ele sorriu, pegando a minha mão na sua pequena mão, que tremia muito. E repentinamente, enchi-me de esperança novamente. Ele estava aqui pálido, fraco, com dificuldade de mover os lábios, mas ele acreditava que ia melhorar. E eu comecei a acreditar também. Eu estava sorrindo e silenciosamente chorando, Acreditando que ele estaria melhor em questão de dias. E Felipe, ainda segurando a minha mão, continuou:
“Eu vou melhorar... Não se preocupe... Eu vou melhorar...”, e com um breve sorriso ele disse, “Você acha que vou deixar a minha garota sozinha?”, e piscou para mim. Eu sorri em resposta.

Eu passei quase o dia inteiro no quarto 13. Felipe estava me confortando. Então ele reclamou que estava com dor de cabeça. Eu chamei o médico. Ele olhou para mim antes que eu saísse e disse:
“Eu só não quero que doa mais. Você volta depois que eu melhorar?”
“Claro, coleguinha. Eu vou estar aqui fora...” Eu respondi. Então, quase instintivamente, eu adicionei: “Adoro você.”
“Eu também te adoro... Mas eu não quero mais dor... Fiquei comigo, Paula, ok?”
O meu turno terminou às 19h00min, mas eu me recusava a ir pra casa. Eu estava sentada do lado de fora, esperando. Mas eu não sabia o porquê eu estava esperando
Ás 20h30min, Felipe se foi. Os médicos saíram e anunciaram o horário do falecimento, 20h20min.

Felipe tinha câncer e morreu numa terça-feira. Eu fui pra casa, deixando o hospital silencioso, exceto pelo som do choro intermitente de Sheila, com a sensação que um pedaço de mim havia ficado lá.

Eu não consegui dormir. Eu tentei achar alguma luz nisto, mas não consegui. Era tudo tão lógico. Felipe tinha uma doença terminal e morreu. Triste, mas compreensível. Mas a razão tirou o melhor de mim. Meu coração, minha alma, todo o meu ser se recusavam a aceitar o que a lógica me oferecia. Porque ele tinha que morrer?! Porque este garotinho lindo e sorridente tinha que morrer?! POR QUÊ?! Oh, Meu Deus, por favor, me diga, como você deixou isto acontecer?!?! Eu não consigo aceitar o fato que Felipe se foi. Ele era tão jovem. Tinha toda uma vida ainda pra viver...

O diretor do hospital me deu uma semana de folga. Ele foi muito compreensível... Mas eu ainda não sei como eu poderei voltar lá quando esta semana acabar. Como eu poderei chegar lá todas as manhãs sabendo que Felipe não está lá e nunca mais estará? Como eu poderei trabalhar novamente no mesmo hospital? Como eu poderei entrar no quarto 13 sem desabar em lágrimas?...
Está tarde agora. Eu devo tentar dormir novamente. Talvez desta vez, Deus tenha pena de mim e me deixe descansar, porque eu não sei quanto tempo mais eu vou suportar...

Ele era apenas um garoto que eu conheci. E que mudou a minha vida. Completamente.

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Inspiração

Sempre gostei muito de escrever, inclusive tenho um outro livro publicado por uma editora independente.

Sobre a obra

Um Garoto que Conheci é um texto curto com uma estória muito envolvente, onde o tema central é o trabalho de uma enfermeira onde ela encontra um garoto com um câncer terminal, porém com um sorriso cativante e acolhedor, que muda a vida desta enfermeira.

Sobre o autor

Eu escrevo desde pequeno, mas nunca mostrei os meus trabalhos, pois não achava que eram bons o suficiente. Não conheço muito de técnicas, mas escrevo com pura emoção. Inclusive até hoje ainda choro com esta estória...

Autor(a): WILTEMBERG DOS SANTOS LIMA ()

APCEF/RO