NOSSOS MUNDOS PARALELOS

NOSSOS MUNDOS PARALELOS

Naquela manhã, Geovana estava cheia de preguiça, sem ânimo para levantar-se. Havia espreguiçado várias vezes, mas a cama estava tão boa que relutava em começar o dia naquela manhã de sábado que parecia muito bonita por causa dos raios de sol que conseguiam entrar por uma fresta da cortina e formava uma faixa amarela que se estendia até o pé da cama.
De repente, alguma coisa caiu no chão, quicou três vezes fazendo barulho quando tocava o assoalho e depois escorregou para debaixo da cama.
“Mãe?” – Ela perguntou sonolenta. Ninguém respondeu. Então resolveu levantar para pegar o objeto que caíra no chão. Era uma caneca de plástico azul, que ela nunca tinha visto. Não era dela, claro.
Pegou o objeto e colocou sobre a mesinha de cabeceira e foi para a suíte do seu quarto fazer a higiene. Penteou os cabelos em frente ao espelho que tomava toda a extensão da cômoda do seu quarto. A sua imagem lhe agradou e sorriu para o espelho como se estivesse retribuindo a gentileza de mostrá-la bonita.
Saiu do quarto, pegou a caneca, desceu a escada e foi para a cozinha onde a mãe dela estava tomando café. Pôs a caneca sobre a mesa.
- Que caneca é essa? – A mãe perguntou.
- Ué, não sei! Estava lá no meu quarto. Ouvi quando ela caiu no chão e a encontrei em baixo da cama. Eu pensei que você tivesse deixado em cima da cômoda e a cortina a tivesse derrubado por causa do vento.
- Mas não está ventando tão forte assim para fazer a cortina esvoaçar. Além disso, eu nunca vi essa caneca. Estranho...
- Será que alguém jogou lá da rua?
- Mas eu acho que a janela do teu quarto está fechada.
- É. Está sim. Só deixei uma frestinha pra entrar o friozinho da noite, mas não dá pra passar essa caneca por ela.
As duas subiram para o quarto e as hipóteses do vento e de alguém ter atirado a caneca da rua não vingaram, por absoluta impossibilidade. Então resolveram guardar a caneca, achando que era da faxineira.
Na noite seguinte, quando chegou da faculdade, Geovana encontrou uma cueca no chão do seu quarto, junto ao guarda-roupa.
“Uma cueca?! Não estou entendendo nada. Como isto veio parar aqui? Deve ser do papai, mas pelo que eu sei as cuecas do meu pai não são assim tão moderninhas. Em todo caso, vou entregar à mamãe. Não, não vou, se não for dele ela vai pensar que eu trouxe que estou transando com alguém aqui em casa quando eles não estão. Esquisito, ontem uma caneca, hoje uma cueca... Que mistério é esse?”
Então, resolveu guardar a cueca na gaveta, junto com suas calcinhas.
Algumas vezes, principalmente pela manhã, ela ouvia música e tinha a impressão que vinha de dentro do guarda-roupa, mas como na rua em que moravam era exclusivamente de casas, não havia parede contígua com a casa ao lado.
Certa noite ela estava quase pegando no sono, quando viu claramente um rapaz sentado a uma mesinha escrevendo dentro do quarto dela, estranho que a paredes do quarto não eram as mesmas e havia um violão sobre uma cama, encostado na parede. Ela levantou-se e foi aproximando-se bem devagar. Tropeçou no chinelo, quase caiu derrubou alguma coisa que estava em cima da cômoda. Teve a impressão que o rapaz ouviu o barulho, porque olhou para trás, depois para o lado em que ela estava, parecia confuso, curioso, assim como ela. Ligou a lâmpada e a imagem do rapaz desapareceu.
Pela manhã, quando acordou, viu novamente o rapaz que olhava em direção ao quarto dela. cobriu-se rapidamente, porque a camisola estava um pouco levantada. Geovana não estava compreendendo como ela via o rapaz como se estivesse no mesmo ambiente que ela, embora os móveis e a decoração de onde ele vivia eram diferentes do quarto dela.
Quando chegou da faculdade, naquela noite, viu que ele havia escrito em inglês em um espelho pendurado sobre a cama dele: “ Você é bonita. Qual o seu nome?” Então, ela escreveu no espelho da sua cômoda: “Geovana. E o seu?” Também em inglês. Quando acordou, na manhã seguinte levantou-se curiosa e olhou na direção do quarto dele, mas não estava lá.
Geovana, preocupada com a hipótese de sua mãe - seu pai raramente entrava em seu quarto – ou a faxineira também pudessem ver as imagens que ela via, pediu que a mãe mandasse colocar um painel móvel naquela parede, alegando que vira na casa de uma amiga e achou muito útil, porque manteria o quarto bem escuro, a fim de permitir um sono mais tranquilo. Pediu, também que fosse colocado o mais breve possível, pois não estava conseguindo dormir direito há alguns dias. Pensou que assim poderia, quando quisesse, afastar o mural para saber se ele estava lá.
No dia seguinte, quando saiu do banheiro, ela viu que estava escrito no espelho dele, em inglês: ” Sedric. Bom dia. O sol estava batendo no seu rosto e você sorria. Acho que sonhava.” Então escreveu no seu espelho em resposta: “Bom dia. Dá para escrever em português?
Ele deveria ficar fora o dia inteiro ou voltava quando ela estava na faculdade, porque a imagem só apareceu para ela na manhã seguinte. “Eu não conheço português, falo inglês – estava escrito no espelho dele.
“Para conversar contigo, então, devo ter que usar o tradutor, rsrsrs” – ela escreveu em resposta. “Não estou entendendo nada. Acho que estou ficando louca. Quem é você? Por que eu te vejo e você me vê se não está aqui? Você é um espírito?”
Num sábado, pela manhã, ela ainda estava deitada e ouviu som de música, mas não havia nada ligado no seu quarto. Levantou-se e aproximou-se da cômoda e, então, percebeu que o som vinha do quarto de Sedric.
- Sedric! – Ela chamou.
Ele estava de costas e virou-se espantado.
Mesmo com o mural instalado e fechado eles ainda conseguiam se comunicar.
“Caraca, o mural não adiantou! Será que vou ter que arrumar uma desculpa para manter o quarto fechado ou é melhor eu contar pros meus pais o que está acontecendo?” – Ela pensou.
- Eu posso ouvir... – lembrou-se que ele não falava português- I can hear the music.
- Geovana, i can hear you too!
- Who are you? How I can see and hear you, if you don’t live here?
Ele respondeu, mas o som da voz dele foi diminuindo até que ela não ouviu mais e ficou fazendo sinal que não estava escutando. Ele correu para o espelho e escreveu em inglês: “eu acho que sei”, mas a imagem dele também foi sumindo até que ela percebeu que estava olhando para a parede.
No dia seguinte, Geovana acordou sentindo alguma coisa roçar de leve o seu rosto. Abriu os olhos e viu que era Sedric.
- Sedric?! Como você entrou aqui?
- Ele fez sinal que não estava entendendo.
- How Did you came here?
- I live here. You are so beautiful. I could not resist and kiss you.
- You are a spirit?
- No. I’m human
Ele pediu a ela um lápis e papel e escreveu em inglês e pediu para ela usar um tradutor no computador: eu acho que sei o que está acontecendo. Nós vivemos em duas dimensões diferentes. Eu estou estudando isso. Acho que tem alguma coisa influenciando o seu movimento e a energia de nossos mundos está se misturando, por isso estamos interagindo. Só aqui, neste ambiente, que, por acaso, é o meu quarto e o seu. São universos paralelos.
Ele pegou uma das mãos dela e a levou para o quarto dele. Foram até a janela e ela, então, viu um lugar totalmente diferente de onde ela morava.
- Aquilo é um castelo? – Ela perguntou, apontando para uma construção grande e bonita no meio de algumas árvores.
- Sim. A Rainha vive lá.
- A Rainha?!
- É, a Rainha. Vocês não tem uma rainha?
- Não. Eu vivo numa República.
Sobre a cama dele, ela viu uma toalha que era dela. “ Como minha toalha veio parar aqui? – Pensou. Então, lembrou-se que um dia saiu apressada do banheiro porque estava atrasada para a faculdade e jogou a toalha de qualquer jeito em direção ao cabideiro que tem no seu quarto, vestiu-se e saiu. Depois esqueceu.
Pegou a toalha e disse:
- Esta toalha é minha.
Ele foi até a mesa onde estava um computador muito mais moderno que o seu, entrou num site tradutor e escreveu em inglês e ela leu a tradução:” eu gosto muito dessa toalha. Eu a encontrei sobre a minha cama e guardei. Quando comecei a te ver eu descobri que é sua”.
Então ela lembrou-se da caneca e escreveu: “Caiu uma caneca azul no meu quarto. E sua?”
Ele escreveu em resposta: “sim, ela desapareceu.”
“Eu vou te devolver. Não. Acho que não, minha mãe não pode saber o que está acontecendo. Eu também encontrei uma cueca que deve ser tua. Se você me devolver a toalha, eu devolvo a cueca” – ela escreveu.
Ele respondeu: “pode ficar com a cueca, a toalha agora é minha.” Foi até um armário, abriu uma gaveta, pegou um bastão de baton e deu a ela. “ Isto também deve ser seu” – falou.
Ela pegou o celular, encostou o rosto no dele e tirou uma foto e escreveu no tradutor: “vou dizer para as minhas amigas que você é um cara de outro mundo.”
Depois olhou para ele e perguntou: “Sedric, agora veio uma coisa na minha cabeça e fiquei até com vergonha. Por acaso você, alguma vez, me viu pelada, já que de vez em quando a gente vê o que está acontecendo no quarto do outro e, quase sempre, saio sem roupa do banheiro?” Ele sorriu e ela percebeu que os olhos dele brilharam, mas movimentou a cabeça em sinal de negação.
“Ainda bem – ela disse, embora tivesse quase certeza que ele estava mentindo.
“I Love you” – ele escreveu.
Olharam-se nos olhos e beijaram-se.
“I Love you too”- ela falou bem baixinho. Você tem e-mail?” – Perguntou.
“Tenho, mas acho que não vai funcionar” - ele respondeu.
De repente, ele olhou para a parede e ficou apavorado. O portal que ligava os seus mundos estava quase fechando e eles não tinham percebido.
- Go, go, go - ele disse empurrando-a até que ela passasse para o seu quarto.
Foi a última vez que tiveram contato. Depois daquele dia, a parede do quarto, que antes funcionava como um portal, voltou ao normal. Ela tentou várias vezes enviar e-mail para ele, mas não conseguiu. A mensagem sempre retornou porque o endereço eletrônico não foi encontrado. Ela guarda do mundo de Sedric, de quem percebeu que estava gostando, além da lembrança do pouco que viu do seu mundo, a foto no celular e a cueca que continua bem guardada na gaveta.

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Inspiração

Eu escrevo contos diversos e faz parte de uma coleção de casos incríveis.

Sobre a obra

O amor é eterno e não tem fronteiras

Sobre o autor

Comecei a escrever ainda jovem, numa época em que aconteciam muitos festivais estudantis, a princípio, em forma de letras de músicas, e delas para a poesia e a prosa foi um passo. Agraciado com diversos prêmios pelos seus textos em prosa e verso, sou Membro Honorário da ACLAC – Academia Cabista de Letras, Artes e Ciências de Arraial do Cabo – RJ.

Autor(a): MARIO REBELO DE REZENDE ()

RJ