Talentos

Questão de cor

QUESTÃO DE COR

Desde pequeno, Cosme conviveu com a discriminação. A pele escura como a noite, nariz largo, lábios e olhos grandes. As outras crianças com dotes mais generosos e harmônicos o apelidavam com os nomes mais pejorativos: macaco, tição, urubu... Elogio só no futebol, quando então era chamado de Pelé.

Cresceu assim, cheio de traumas e complexos, na escola ficava isolado ou com amigos que sofriam do mesmo “mal”, na rua até se dava bem com os colegas, pelo menos até discutirem por algum motivo banal, quando então começavam os adjetivos, os gritos e os socos.

A adolescência não foi muito diferente, os mesmos apelidos, os mesmos traumas, o complexo de inferioridade agora agravado pelas espinhas no rosto e a falta de namorada. Invejava os colegas que tinham roupas melhores, pele mais clara e traços mais suaves.

Mas Cosme cresceu, trabalhou no subemprego; serviu o exército, a genética o agraciou com um físico invejável, o desejo de ser alguém fez com que estudasse mais dos que qualquer jovem de sua idade. Mesmo com o histórico de escola pública, passou no vestibular da Universidade Federal, estudou com afinco e se formou.

Foi um aluno brilhante, visto que ocupava seu tempo com sonhos e estudo. Já saiu da Universidade bem empregado e se destacou na sua profissão, casou-se com uma colega de sala.

Com muito esforço virou doutor, admirado por todos, os adjetivos mudaram, vez ou outra era chamado até de moreno. Superou seus traumas, assumiu sua negritude, tentava impor respeito através do currículo, da bela casa, do carro importado.

Teve dois filhos lindos fruto da mistura de raças. Pele clara, nariz afilado, cabelos castanhos e lisos. A bela casa vivia cheia de amigos da mesma estirpe. Era um homem realizado.

Certa manhã ao passar pelo jardim da casa, Cosme se entristeceu muito com a cena que presenciou: Seu filho de 07 anos gritando com o filho de jardineiro, utilizando os mesmos adjetivos que Cosme ouvira durante toda a sua infância.

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Inspiração

Como um negro de mais de 50 anos, vi e vivi muitas situações em que a cor falou mais alto, mas não foi ouvida. E tentei mostrar que é possível um negro "vencer na vida". Sou de uma família assim! Com vários parentes que galgaram altas posições tanto do ponto de vista acadêmico, como social e financeiro aqui e no exterior.

Sobre a obra

Como em quase todos os meus textos, relato um caso específico, para falar de um contexto, de uma situação geral. Tento usar uma linguagem simples e clara, mas com um toque refinado.

Sobre o autor

Sou da área de Exatas, mas a palavra me fascina! Tanto pela beleza como pelo poder que carrega. Participei de alguns concursos literários, e tive a honra de ser premiado em todos.

Autor(a): EDIO WILSON DE SOUZA SANTOS (Pena D'ouro)

APCEF/ES