Talentos

A colmeia

A COLMEIA

Era a primeira aula de campo daquele ano. A professora Glória havia orientado que todos os alunos vestissem roupas apropriadas e passassem bastante protetor solar no rosto e no corpo. Ela também havia escolhido o local e separado todo o material necessário: sacos plásticos para as coletas; tesoura de poda; jornal; pranchetas para anotação; máquina fotográfica... Depois de tudo pronto, Glória parou por alguns instantes, passou os olhos no roteiro da aula para conferir se não havia esquecido nada, pegou todos os apetrechos, deu mais uma olhada se havia alguém atrasado e, enfim, fechou a porta da sala.
No ônibus, a confusão estava acirrada entre os alunos, na disputa pelos lugares ao lado das janelas. A ansiedade tomava conta de todos. Já no parque florestal da cidade, Glória tratou de reunir as crianças e começou a passar as primeiras orientações: que ficassem sempre próximas a ela e às ajudantes, que não se afastassem e sequer tocassem em plantas desconhecidas. A professora distribuiu um saco plástico para cada aluno e orientou que, antes da coleta do material, observassem e comparassem as características encontradas com as já estudadas, anotando; se quisessem, poderiam até fotografar. Feito isso, deveriam colher uma parte da planta e colocar no saco, para posterior processamento no laboratório da escola e exposição. Esta seria feita em murais, por grupos de plantas, para que todo o colégio pudesse ter acesso.
O parque era um lugar agradável. A mata oferecia um silêncio calmante, que às vezes era interrompido pelo cantar dos pássaros e das cigarras e pelos gritos de alegria das crianças quando encontravam a espécie de planta escolhida. O cheiro de terra molhada era inconfundível. Gotas de orvalho caíam, molhando os cabelos daqueles visitantes. João admirou os cogumelos que emergiam do chão e de troncos de árvores derrubadas e se perguntava se ali era a casa de alguns duendes. Quis pegá-los, mas lembrou-se das orientações da professora Glória e recuou. Além disso, ele observou que havia muitas flores disputadas por borboletas e abelhas. Peralta como era, logo arranjou um gravetinho e saiu correndo, balançando no ar e fazendo barulho para ver as borboletas voarem em bando. Naquela corrida desajeitada, tropeçou em uma pedra, caiu e saiu rolando por cima das flores, deixando um rastro de plantas amassadas. Foi socorrido pela professora, que o levantou, advertindo com cuidado que não se poderia sair correndo daquele jeito em lugares desconhecidos, maltratando animais e insetos, tampouco machucar as plantas, porque todos são seres vivos.
No momento em que a professora ajudava João, um grito desesperado se fez ouvir. Todos se assustaram e correram para o local de onde vinha o barulho: lá estava Ana, desesperada, com abelhas em seus cabelos. Foi então que a professora percebeu uma enorme colmeia, fixada numa árvore, bem próxima de onde o grupo estava. Preocupada, Glória chamou todos para se afastarem dali, lembrando que as abelhas só atacam quando se sentem ameaçadas. Curiosos, os alunos perguntaram o motivo de tantas borboletas e abelhas ali. Enquanto se afastavam, a professora foi explicando que tanto as borboletas quanto as abelhas gostavam muito das flores:
– Onde existir flores sempre haverá borboletas e abelhas por perto. Elas são consideradas fadas da floresta e dos jardins.
– Fadas? Elas viram gente? – indagou João, interessado.
A professora tranquilizou a turma, dizendo a João que a imaginação dele era muito fértil, e pediu que todos se acomodassem para o lanche, que ela iria narrar a origem das fadas-abelhas. Apreensivas, as crianças logo se acomodaram em volta dela, aguardando a história. Então, Glória começou:
– Quando eu era criança, meu pai, o senhor Manel Gameleira, costumava contar muitos contos de fadas. Um deles é a Lenda da Colmeia. Ele dizia que há muitos e muitos anos, havia um reino bem, bem distante daqui, onde existia uma rainha que gostava muito de flores. Seu castelo era todo rodeado por jardins bem cuidados e coloridos de lindas e variadas flores perfumadas. Próximo ao seu reino, existia outro, onde morava um rei muito cruel e invejoso. Todos temiam aquele rei malvado. Ele não gostava de ver a rainha feliz e cantarolando, a passear pelo seu lindo jardim, e se irritava mais ainda porque os súditos dela a amavam e lhe levavam muitos presentes, enquanto os seus nada faziam. Ao contrário, tinham medo dele. No dia do aniversário da rainha, os jardins do castelo ficaram cheios de gente que veio felicitá-la, enquanto na celebração dele ninguém apareceu. Cheio de inveja, o rei resolveu destruir a rainha, começando pelo jardim que ela tanto amava. Chamou seus soldados e mandou que destruíssem tudo, não deixassem nenhuma flor sobreviver. Então, enquanto todos no castelo da rainha dormiam, os soldados do rei foram lá e destruíram tudo. Ao amanhecer, como era de costume, a rainha abriu a janela do seu quarto para sentir o perfume das flores, e foi aí que ela soltou um grito que foi ouvido em todo o reino. Todos do castelo correram para socorrer a rainha e encontraram-na desmaiada. Ao acordar do desmaio, ela só falava: “Meu jardim”… Depois disso, isolou-se em seu castelo e não sorria e nem cantava mais. Seus súditos, preocupados, decidiram chamar a Fada Azul, sua melhor amiga, para que viesse ajudar. Ao ver o estado em que a rainha se encontrava, a Fada Azul prometeu ajudar a reconstruir o jardim. Pegou sua varinha mágica e transformou uma parte dos súditos da rainha em abelhas e a outra metade em borboletas, e mandou que saíssem voando pela floresta em busca de novas plantas e flores para a rainha. Assim, em poucos dias, um novo jardim surgia, mais bonito e mais colorido do que antes. E não foi só isso: os súditos cozinheiros que foram transformados em abelhas perceberam que as flores tinham um líquido muito doce e que daria um excelente mel para sua rainha. Ao prová-lo, ela não só se deliciou, como desejou mais e o chamou de néctar. Além do mel, os cozinheiros da rainha prepararam uma geleia especial somente para ela, e deram o nome de “geleia real”. Enquanto isso, os súditos químicos que foram transformados em borboletas descobriram que as flores tinham uma espécie de pó que ficava preso em seus corpos e que quando elas pousavam em outra flor, ele caía e se misturava, promovendo uma fecundação, fazendo nascer novas flores e até novos frutos. Ao saber o que estava se passando no reino da rainha, o rei invejoso ficou furioso e resolveu ir ver para poder crer. Ao chegar lá, deparou-se com um jardim muito mais bonito do que antes e a rainha muito, mas muito mais feliz. A raiva dele foi inchando... Inchando... Até explodir num brado tão forte que fez estremecer a floresta e espantou os bichos. O rei saiu a todo galope e, ao entrar nos portões do seu reino, esbravejou com seus conselheiros, querendo saber como havia acontecido aquela recuperação tão rápida dos jardins. Foi então que se chegou à conclusão de que só poderia ter sido obra da Fada Azul. Falando alto e quebrando tudo à sua volta, o rei ordenou que seus soldados mais valentes prendessem a Fada Azul no calabouço da Torre Vermelha: um lugar sombrio e mal-assombrado. Ao verem os soldados se aproximarem da casa da Fada Azul, os pássaros, seus amigos, voaram apressados para avisá-la do perigo. Ela, então, pegou sua varinha mágica, transformou-se numa águia e voou para o castelo da amiga rainha. Comunicou que estava indo embora para outra floresta, bem distante do rei malvado, mas que deixaria o seu reino protegido de sua maldade. Depois, viajou tranquila. Enquanto isso, no castelo do rei, algo estava acontecendo. Todos os súditos, convocados por ele, aglomeravam-se na praça central. Estavam armados e pareciam nervosos. Em seguida, sob o comando do Soldado Gigante, marcharam rumo ao castelo da rainha. A ordem era destruir todo o reino. No entanto... Ao chegaram ao local, cadê o reino? Cadê o castelo? O lugar onde antes existia um castelo era agora um imenso jardim, cheio de flores coloridas e perfumadas, vigiadas por borboletas com seus sobrevoos lânguidos, exibindo um espetáculo de beleza em movimento. Bem no meio daquele jardim, emergia uma árvore gigante com uma imensa colmeia entre seus galhos mais altos. Suas abelhas eram agitadas e pareciam ter pressa. Ao avistarem o exército do rei se aproximar, previram uma grande ameaça ao seu reino e, então, estressadas, organizaram-se, afiaram seus ferrões e quando os soldados chegaram bem próximo, em forma de enxame, elas desceram da colmeia e atacaram com agressividade todos que ali estavam. Desesperados, sem poder se defender daquele ataque numeroso e doloroso, os homens do rei fugiram, para nunca mais voltar. Assim, passaram-se os anos e as abelhas mantiveram-se organizadas como antes era no seu castelo, em três castas: uma rainha, muitas operárias e vários zangões, todos com suas tarefas bem definidas. O reino das abelhas foi crescendo... Crescendo... A ponto de não caber mais em uma só colmeia, e elas tiveram que construir outra, e mais outra, e assim, foram se multiplicando e se espalharam pela face da Terra.
As crianças ficaram impressionadas com a narrativa da professora Glória e prometeram que, daquele dia em diante, iriam cuidar bem das plantas, para que as abelhas e as borboletas sempre estivessem por perto, embelezando a natureza e ajudando as pessoas a respirar um ar mais puro e perfumado! João, observador como sempre, não deixou passar e perguntou:
– Professora, e o Reino das Borboletas?
A professora Glória respondeu:
– Fica para a próxima, João... Agora, precisamos voltar à realidade: todos para o ônibus!
O menino saiu pensando: “então, se as flores acabarem, as borboletas e as abelhas também vão acabar... E quem vai colorir e perfumar nosso planeta?”.

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Inspiração

Contos infantis é uma paixão e a natureza a maior inspiração. As abelhas estão desaparecendo. E ao perceber o perigo que esse desaparecimento, a extinção das abelhas pode causar a humanidade, resolvi fazer um conto infantil de alerta, porque as crianças são o futuro da humanidade.

Sobre a obra

A obra é um conto fantástico, narrativo, pautado numa realidade não lógica. A narrativa se desenrola num universo onírico, conciso, com um tema livre, aliando o fantástico e o real, em meio a uma ficção, que emerge da oposição dentre dois planos: o real e o irreal.

Sobre o autor

Sempre fui apaixonada pela literatura e principalmente pelos contos e a poesia, por conta disso, tenho buscado, cada vez mais, aprender para escrever melhor.

Autor(a): VERONICA DA SILVA GALVAO (VERÔNICA GALVÃO)

APCEF/AL