Cuidados invisíveis

Subia as escadas rolantes do metro Anhangabaú. Sempre olho quem desce a outra escada, ao lado esquerdo dos subintes. Via uma mulher, negra com kanikalons ou rastafáris longos, até a cintura, oxigenados. Nem tinha percebido aliás, olhava mais seu corpo, tenho essa mania. Mas me apercebi dos cabelos, por uma inferência qualquer, devido uma senhora que estava logo dois degraus a minha frente. Pensei que fosse japonesa, devido seu tamanho e corte de cabelo. Não saberia precisar sua idade, pois poderia ter se envelhecido por muito trabalho. Acho que pensava isso pela visualização de sua leve corcunda.
Ela fixou o olhar na mulher do outro lado da escada de tal forma, que passei de pensar em obscenidades para pensar: olha, ela deve estar pensando, nossa que jovens ousados e estranhos. No meu tempo não era assim, e tal e plim... Na realidade poderia estar só admirando, mas a forma de seu olhar era claro de reprovação, agora eu conseguia observar sua face, não era oriental.
Acabou o tempo espaço da subida escalar, e ao virar para a saída do metrô, eu ainda pensava em como escrever isso e a senhorinha andava a minha frente olhando as coisas. Ao passar as catracas, ela na minha frente se entorta, de uma maneira que só senhorinhas quase corcundas e, às vezes, orientais fazem, e com o mesmo olhar em direção a catraca oposta a que saiamos, deu o mesmo olhar.
Não sei o porquê, mas tremi.
Comecei a pensar que ela estava sentindo meus pensamentos. Que ela sabia o que os outros a volta pensavam dela e de tudo. Deu taquicardia e paura e pânico.
Não queria que ela olhasse para mim e me descobrisse meus segredos e, pior, o que eu pensava dela.
Passei pela esquerda, enquanto ela olhava para direita, num drible rápido e desconcertante. Andei passos largos e fui em direção a outra escada rolante, a que levava ao terminal de ônibus da praça da bandeira.
Estava salvo... E com medo...
Mas percebo que atrás de mim ela estava, dois degraus acima.
Não virei mais o pescoço, não olhei corpos salientes na escada contrária, com medo de perceber que ela, a senhorinha, vigiava também.
Ao terminar a escada decidi andar rápido, mas sem parecer ansioso ou preocupado.
E pensei, ela não anda tão rápido do que eu. Em dez passos ou metros, olhei de soslaio ao virar levemente o pescoço para trás, e lá estava ela, dois passos atrás...
Andei mais rápido quase em marcha olímpica. E pensei, a medusa vai me pegar.
E quando achei que poderia olhar pela última vez para me sentir salvo, mesmo sabendo que poderia ser pego pela implacável senhorinha, virei o pescoço, abri os olhos com toda minha força, e pensava, ou orava, para que ela esteja olhando para baixo, para o chão, para o chão, por favor.
Ela caminhava calmamente, olhando para o chão.
Desci as escadas rolantes que levavam as plataformas do terminal e nunca mais olhei para trás.
Cheguei em casa, fiz um drinque, fumei um cigarrilho e pensei, quase me pegaram dessa vez.

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Inspiração

Andanças e observações

Sobre a obra

Tentar extrair surpresa de algo banal.

Sobre o autor

curioso

Autor(a): ALESSANDRO BRITO DA SILVA (Britus)

SP