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A RAINHA CAIPIRA

A RAINHA CAIPIRA
Sozinha e injustiçada pela vida! Era como se sentia Elza, uma jovem muito bela que vivia no alto de uma montanha com seu pai agricultor. Acostumada a cuidar do pai desde muito novinha, era ela quem realizava as atividades domésticas da casa onde vivia órfã da mãe que faleceu quando ela ainda era muito pequena.
Seu pai era um homem bondoso e trabalhador que fazia tudo o que estava ao seu alcance para ver a filha feliz, mas talvez a tivesse mimado muito a ponto de Elza não se sentir grata ou feliz com a vida que levava. Sempre se imaginava injustiçada pela rotina que tinha que encarar e passava os dias sonhando em morar na cidade, frequentando festas em casas ricas e vestida como as mulheres da televisão.
Não tinha muitos vizinhos e o que mais lhe trazia felicidade na vida era dançar como se fosse uma grande bailarina. Aprendia com facilidade qualquer coreografia que visse na TV, não importava o ritmo ou a categoria musical, sabia dançar um pouco de tudo.
Certo dia, seu pai teve de ir à cidade vender o milho verde que havia colhido há pouco tempo e a levou consigo para que ela pudesse passear um pouco. Ela estava eufórica de feliz, olhava as pessoas com muita admiração do que faziam, vestiam ou comiam. Mas, ao longo do dia, começou a notar que as pessoas da cidade não tinham tempo suficiente para nada, todas as conversas que ouvira sempre terminava com a frase "agora, preciso ir pois já estou atrasada" e percebia que ninguém realmente aproveitava o que viviam no momento em que viviam.
Quando estavam voltando para casa, Elza leu num cartaz a divulgação de uma competição junina que escolheria a jovem da região que mais graciosamente dançasse músicas de quadrilhas de São João. Ela encheu o coração com o desejo de participar do concurso e pediu ao pai que lhe comprasse um vestido elegante para que ela pudesse participar. Como já havia assistido a várias apresentações juninas pela televisão, sabia bem como eram pomposas as roupas juninas de quadrilha daquela região, como as meninas da cidade deveriam rodopiar as vestes bem ornamentadas e volumosas para conseguir o título de Rainha Caipira do ano.
Seu pai não tinha tantos recursos para garantir à filha um presente que custava tão caro nas modistas da cidade e disse que poderia comprar alguns tecidos e pedir às vizinhas que costurasse para ela um vestido também muito bonito mas menos caro que os vendidos nas lojas da região.
Elza não aceitou o presente do pai, achou-o insuficiente e pobre demais para ela. Decepcionada, chegou a faltar com respeito a ponto de dizer ao pai palavras de tristeza que o partiu o coração. Ele chorou bem mais que a filha pois realmente desejava vê-la feliz, mas sabia que suas posses eram pequenas para o tamanho das ambições de Elza.
Elza, tomada pelo egoísmo, esperou o pai sair para trabalhar o campo e furtou quase todo o dinheiro que ele guardava para o sustento da casa e das atividades da roça. Em seguida, correu para a cidade a fim de pagar sua inscrição no concurso e comprar um vestido de rainha caipira na maior loja de festividades que havia ali.
Ao chegar na loja, foi recebida com descaso e desconfiança pela atendente que não a tinha como cliente habitual e não acreditava que aquela jovem tivesse como pagar por qualquer um daqueles vestidos, por mais simples que houvesse na vitrine. Prestes a ser expulsa, sacou fora o dinheiro que furtou e apontou para o vestido que desejava comprar. Apesar de não ter o suficiente para pagar o vestido que mais a agradou, sentiu-se mais bem tratada de imediato e foi rapidamente apresentada a diversos outros modelos adequados ao orçamento apresentado de supetão.
Ao sair da loja, seguiu para casa arquitetando um plano para esconder o vestido numa caverna que ficava a poucos metros de sua residência. Assim que o escondeu, foi ao encontro do pai como se nada tivesse acontecido. O velho senhor estava devastado, chorando copiosamente e lamentando o furto de suas economias quando ainda segurava as poucas notas que Elza lhe deixara. Ao entrar, quando Elza viu o pai naquele estado de ânimo sentiu tanto arrependimento que decidiu voltar na loja e devolver o vestido para restaurar o seu bondoso pai.
Acontece que, ao chegar na caverna, Elza encontrou o vestido destruído e rasgado em várias partes. Pôs-se em desespero, estava arruinada e sem consolo. Chorou tanto naquele lugar que acabou desmaiando de tanta tristeza e arrependimento. Quanto seu pai - também destruído pela decepção - notou o adiantar das horas, sentiu falta da filha e começou a procurá-la em toda parte da casa e da roça, mas não a encontrava em canto algum.
Temendo o pior, pediu aos vizinhos que o ajudasse a procurá-la e logo se formaram pequenos grupos de busca atrás de Elza. Após muitas horas de procura, o próprio pai de Elza a encontra deitada nas pedras da caverna onde ela se enfiara carregando entre as mãos o vestido de rainha caipira sujo e rasgado.
Quando voltou a si, Elza entre lágrimas e soluços confessou ao pai o que fez. Ele ficou tão furioso que chegou a lhe dar uns empurrões e a gritar com ela na frente dos vizinhos que o acompanharam, mas logo conseguiu se controlar. Quando mais calmos, pai e filha foram para casa abraçados em silenciosa vergonha, culpa e remorso. Elza pediu perdão com sincero arrependimento e o pai a desculpou com sincera compaixão.
Nos dias seguintes, Elza passou a acordar mais cedo e a ajudar o pai tanto em casa quanto na roça, pois estava determinada a recuperar com suor e dedicação o prejuízo que dera ao homem que mais amava e por quem se sentia mais amada no mundo.
O dia 13 de junho, dia do concurso para escolher a dançarina Rainha Caipira daquele ano, foi esquecido quase que totalmente por Elza que apenas suspirou um pouco quando o evento passou pela sua cabeça. Foi trabalhar mais duro nesse dia, queria ocupar a mente com as obrigações da casa e do campo para não alimentar sentimentos de tristeza em seu coração.
Quando voltou da roça para casa já tarde do dia, encontrou seu pai com uma expressão feliz e um pouco desconfiada, um ar de mistério em seu semblante que não lhe era típico. Ela foi tomar banho e enquanto comia notou que a cidade estava iluminada pelas fogueiras que religiosamente comemoram o dia de São João. Afastou o prato e fitou as pequenas chamas que conseguia ver do alto de sua montanha com sonhos de dançarina em sua mente, vestida com o vestido mais bonito com o qual podia imaginar, ao som da banda de forró junina "Mastruz com Leite", girando e dançando a animada música que diz "explode coração, nessa noite de fogueira e de balão, feita para enfeitar nossa união, para sempre eu e você".
De repente, espantada, acorda do seu devaneio ao notar toda a vizinhança em sua frente segurando o vestido que havia se rasgado em um aspecto completamente renovado, cheio de lindas emendas coloridas e divertidas, costuradas e moldadas pelas suas vizinhas que doaram seus tecidos e seus serviços para fazer o vestido mais bonito, alegre e colorido que já houve naquele lugar. Seu pai a abraçou e apontou para seu antigo balão multicor que também havia sido renovado e seria seu transporte até a competição.
Elza ainda emocionada, deixou-se vestir e maquiar pelas suas boas vizinhas. Em seguida, partiu voando de balão com seu pai para o local do concurso. Todos os vizinhos olhavam para o céu admirados de como a noite estava linda, o céu estava em festa, havia fogos de artifício e balões no ar.
Quando o balão pousou na área da competição, o salão estava enfeitado de bandeirolas e fogueiras. As arquibancadas estavam lotadas, músicas de forró, xote e baião para dançar. Foi na noite mais feliz e iluminada do mundo que Elza se tornou a mais graciosa Rainha Caipira de toda a região.

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Inspiração

Sou um pequeno servo de Cristo, apaixonado pela ideia do Bem, do Belo e do Justo. A literatura está entre algumas das capacidades humanas de vislumbrar o belo por meio da arte.

Sobre a obra

O conto traz um pouco da magia que as festas juninas nos provocam e como estamos em pandemia a melhor maneira de homenagear nossa cultura folclórica é eternizando a história de uma das principais personagens das quadrilhas de São João: a Rainha Caipira.

Sobre o autor

Sou um pequeno servo de Cristo, apaixonado pela ideia do Bem, do Belo e do Justo. A arte está entre algumas das capacidades humanas de tocar o Céu.

Autor(a): EDELSON PEREIRA DOS SANTOS (EDELSON PERSAN)

APCEF/PI