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A HORA DO ESQUECIMENTO
A hora do esquecimento
Todos os dias Ana Maria me dizia: “Olha! Chegou bem na hora!” E me contava histórias de pessoas que ela não lembrava mais os nomes. Tinha as unhas bem feitas e
o cabelo desarrumado do travesseiro. A fralda detestada incomodava sempre, mas não havia saída honrosa para a velhice no auge da sua crueldade.
O tempo já havia, há muito, lhe corroído as carnes e a beleza. Já havia comprometido seus órgãos e lhe enchido de dores. Agora, implacável e dolorosamente, apagava suas memórias. Roubava de suas lembranças todo o amor dado e recebido
nessa vida. Devolvia-lhe, as vezes retalhos, pedaços mal costurados do passado só pra daqui a pouco tornar a roubá-los.
Nem mesmo eu sei mais quem e como ela era. É difícil fazer o exercício de lembrar daquela mulher gigante e feroz que a tudo vencia. Era a torre vigilante, o farol a me guiar. Agora, pequena e indefesa, sorri como uma criança e me diz quando entro: “Olha! Você chegou bem na hora!”
Para ela, todas as horas eram certas, porque a ela já não importa mais nada, só a mim.
Tenho medo dos dias que as minhas chegadas são recebidas com os olhinhos apertados pelo esforço de um reconhecimento que não vem. Existem dias assim, que ela simplesmente me esquece. É preciso deixar que o tempo passe e que eu chegue
novamente para outra tentativa.
Abro o portão apreensiva e, já ouço de longe, antes de vê-la: “Olha! Você chegou bem na hora!”
Hoje, me perguntou se eu me lembrava do dia que apanhamos lenha no remoto sertão do Piauí. Para ela, eu era a sua irmã, minha avó. Fez a contagem dos irmãos nos dedos das mãos. Todos já idos e disse que só sobramos nós duas vivas nesse mundo.
Detalhe: nunca conheci minha avó que se foi bem antes de eu nascer e de quem herdei genes muito ruins, mas essa história guardo para outra ocasião.
E assim vamos andando sabendo que estamos já tão perto do fim. Mas o que se pode dizer com certeza sobre isso? Ninguém sabe…
Não vivemos todos ansiando para que a vida aconteça na hora certa? No final das contas, todas as horas são a hora certa. Até o dia que nos esqueceremos de quase tudo o que amamos. Que esse dia demore.
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Inspiração
A ideia surgiu da convivência com minha Mãe Neném. Viveu até os 100 anos e, pouco a pouco a fomos perdendo para o tempo. Deixou um legado de amor e poesia e ensinamentos que levarei para o resto da vida.
Sobre a obra
A obra fala de como o tempo pode nos trazer e ao mesmo tempo nos roubar memórias. Fala sobre entender que não há hora errada para aproveitarmos a vida.
Sobre o autor
Gosto de histórias. De ouvi-las e de contá-las. Gosto de desbravar o mundo das personagens que, assim que nascem já perco o controle sobre elas. As histórias se escrevem sozinhas, se desenvolvem e se contam independentes de mim.
Autor(a): HAYLLANA AIRES MARTINS (HAYLLANA MARTINS)
APCEF/TO
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