Imagens do sertão

Imagens do Sertão

Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão

Eu morava numa casa de adobe
O telhado parecia uma peneira
Via os raios do sol por entre as telhas
E os buracos espalhados pelo chão
O jantar era à luz de lampião
A comida servida na gamela
O cheirinho que vinha da panela
A lembrança me traz contentamento
Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão

Eu recordo com muita emoção
As passagens do tempo de criança
As histórias estão vivas na lembrança
São recortes de um filme de ação
Brincadeiras e intrigas entre irmãos
Que o tempo resiste em apagar
Muitas delas me fez até chorar
E alguma causou ressentimento
Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão

Nossa casa tinha vista pro poente
E na frente um oiti a sombrear
No terreiro uma pedra de amolar
Um curral, uma estrada e uma cancela
Que rangia ao se passar por ela
E repicava a pancada no mourão
No quintal, um poleiro e um pilão
Uma tora que servia de assento
Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão

Tinha ao fundo o campo de futebol
Eu recordo as peladas que jogava
Os meus primos com quem contracenava
Meu avô que vinha assistir
No pedaço de chão onde eu vivi
Tinha festa e muita animação
Os forrós e as fogueiras de São João
A fumaça subindo ao firmamento
Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão

No painel pintado em minha mente
Tem um grande pé de jatobá
As pessoas sentadas a conversar
A sorrir de piadas inocentes
A falar do passado e do presente
Do futuro sem muita ilusão
A resenha do time do coração
Uma peça a pegar um desatento
Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão

O zumbido do enxame de abelhas
As formigas marchando em correição
Ir ao mato e se estrepar no cansanção
Infesta-se de pixilinga no poleiro
Estudar à luz de candeeiro
Assar banana na chapa do fogão
Comer tutu amaçando com a mão
Tomar coice e queda de jumento
Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão

A dureza da lida todo dia
A saruga da cana e do arroz
Ver os ovos que a galinha pôs
Vigiar as arapaucas que eu fazia
Comer mel, chupar cana e melancia
Ir à roça catar milho e feijão
Se encantar com o bezerro e o leitão
Tudo isso é verdade, eu não invento
Não consigo tirar do pensamento
As imagens da vida no sertão


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Inspiração

Vivi a minha infância e adolescência com bastante intensidade. Durante todo esse período eu morei na roça e experimentei o trabalho duro na enxada, na fabricação de pinga, rapadura, açúcar, farinha de mandioca, etc. Mas também experimentei muitas brincadeiras e aventuras próprias de quem vive no campo, como, brincadeiras de roda, montaria a cavalo.

Sobre a obra

Como nordestino que sou, aprecio muito os cordelistas e repentistas e as vezes me aventuro também a escrever poemas. Esse eu o escrevi relembrando as experiências da minha própria vida na roça e de outras cenas que são comuns no sertão. O poema possui 7 estrofes com 10 versos cada, sendo que os dois últimos versos se repetem concluindo a rima.

Sobre o autor

Esse "talento" é uma coisa inata, tem a ver com a minha origem no interior do nordeste. Quando criança e na juventude pôde acompanhar alguns reisados e o momento que mais apreciava era a cantoria de repente. Só muito mais tarde, incentivado pelos colegas da caixa, passei a escrever poemas.

Autor(a): JOSE CARLOS NEVES SODRE (Zé Poeta)

APCEF/TO