Esq

Recentemente eu comecei a esquecer das coisas, das pessoas, de nomes. Esquecia panela no fogo, forno acesso sem nada dentro...e eu digo recentemente, inclusive, porque não lembro quando isso começou. No início eu fiquei meio desnorteada, dava uma angústia não lembrar de algo, dava vergonha de ter esquecido o nome de alguém que falava comigo. Fiquei tão aperreada que marquei um médico pra verificar isso. Mas esqueci de ir na data marcada, então deixei pra lá. E foi aí que comecei a aceitar meus esquecimentos.
Tem um filme que eu gosto muito, Brilho eterno de uma mente sem lembrança; e nessa época, passei a me lembrar bastante dele. Nele, as pessoas contratam o serviço de apagar suas memórias, seria como resetar a vida. Sempre achei fantástica essa possibilidade. Talvez tenha gostado tanto que fui presenteada com uma versão meio capenga dela.
A aceitação passou a se tornar adoração. Eu comecei a ver muitas vantagens nos meus esquecimentos. O budismo nos diz para vivermos o presente, mesmo que alguns presentes deveriam vir com etiqueta de troca, mas que você viva o hoje. Querendo ou não, eu me tornei uma forte candidata ao budismo. Já não lembrava de muita coisa do passado, principalmente pessoas, nomes, feições e também, desentendimentos. O que foi bem positivo, convenhamos.
Um dia estava conversando com meu pai numa praça e chegou meu cunhado pra falar com ele, e eu o cumprimentei. Ele teve um micro segundo de hesitação e cumprimentou de volta. Depois que ele saiu, eu fiquei com essa estranheza do momento, na cabeça. Aí me lembrei! Eu não falava com ele há uns onze anos. Bom, depois disso, fiquei com vergonha de voltar a não falar.
Dizem que lembrar é reviver, pois eu descobri que esquecer é viver.

Compartilhe essa obra

Inspiração

Fui escrevendo sobre meu processo criativo e as duas ideias estavam interligadas, pois o esquecimento fincou meu eu no presente, no que estou sentindo agora.

Sobre a obra

Esta crônica fala um pouco sobre episódios que foram acontecendo até que eu realmente aceitasse que estava esquecendo de tudo sem me cobrar ou me incomodar tanto com isso. E na verdade, aprender a gostar disso.

Sobre o autor

A arte me acompanha durante toda minha vida, desde criança. Experimentei o desenho, a pintura, a modelagem e a escultura. E não parei desde então.
Como uma leitora compulsiva que sou, desta vez, venho me aventurar trazendo uma crônica.

Autor(a): CAMILA GONCALVES DE OLIVEIRA (Camila Oliveira )

APCEF/PB