O PET OU EU

Enfim, acho que chegou a minha vez... - pensava Cris, olhando para o teto da sua casa, como se quisesse atravessá-lo para expressar à Deus sua imensa gratidão, enquanto arrumava as malas para viajar.
Não era para menos. Cris já estava chegando aos 40 anos e não conseguia encontrar o companheiro ideal que tanto sonhara. Já havia passado por dois relacionamentos mais duradouros e quando pensava que estava tudo no caminho certo, emergia uma traição no relacionamento, acabando com todo o investimento emocional de anos. Só que desta vez, tudo indicava que ia dar certo.
Esta nova chance iniciou há seis meses, quando Cris estava a ponto de desistir de encontrar a sua cara-metade e se limitar apenas a cuidar do Romeo, seu lindo pet de estimação da raça Poodle. Sua amiga Suzana, frequentadora assídua das redes sociais, acendeu novamente suas esperanças ao lhe apresentar o aplicativo Tinder, famoso em unir pessoas através de relacionamentos online.
Apesar do receio inicial em usar esses aplicativos, que também tem fama de estar cheio de criminosos criando perfis falsos para atrair suas vítimas, Cris resolveu arriscar, tomando todo o cuidado necessário.
E assim, em uma de suas conversas online nas salas de Portugal, conheceu Ricardo, um português muito educado e cortês, que chamou sua atenção pelos gostos em comum entre eles.
Foi atração à primeira conversa. Os bate-papos eram infindos. Varavam a madrugada contando histórias e experiências; descobrindo afinidades, etc. E assim, tudo ia se encaixando como uma luva.
Foram meses de conversas deliciosas e o desejo de se conhecerem pessoalmente, aumentando a cada dia.
Cris já estava íntima da futura sogra. Em um dos bate-papos de vídeo, Ricardo apresentou Cris aos seus pais como a pessoa por quem ele estava apaixonado. A mãe de Ricardo, sra. Alice, gostou demais do lado alegre e festivo da Cris, pois ela também era muito animada e adorava dançar e cantar. Por essas afinidades, as duas criaram uma admiração mútua. O pai do Ricardo era mais contido como a maioria dos portugueses, mas não interferia muito na relação e sempre dizia: “Fez meu filho feliz, me fará feliz também.”
Cris havia recentemente sepultado seus dois pais, então, aquela oportunidade de recomeçar a vida com ares europeus, estava caindo muito bem. E para sua surpresa, Ricardo havia planejado a ida de Cris para Portugal há dois meses, sem que ela suspeitasse.
Ele havia combinado tudo com seus pais, os quais adoraram a ideia de, à princípio, o casal iniciasse o relacionamento morando com eles, visto que a casa era imensa e cheia de quartos e, sobretudo, porque iriam manter seu filho único por perto e com o mesmo conforto.
Enfim, o dia da viagem havia chegado. Cris olhou nervosa para seu relógio, confirmando que faltavam poucas horas para o embarque em sua mais nova fase da vida. Resolveu fazer mais uma ligação para o Ricardo, confirmando se realmente estava tudo autorizado para o embarque do seu pet Romeu:
- Amor, será que essas seis horas de voo não vão deixar o Romeo estressado?
- Cris, confesso que não entendo muito sobre o sentimento dos pets, mas como vejo pessoas viajando o tempo inteiro com seus cachorros e gatos, acho que não deve afetar tanto – explicou Ricardo, observando que a Cris nutria uma paixão extrema pelo Romeu.
- É que, como te falei, o Romeo é minha vida. É como um filho pra mim. Só fico tranquila se ele estiver bem.
- Eu compreendo, meu amor. Fique tranquila que vai dar tudo certo. Acho que ele vai se adaptar bem aqui em casa, pois os ambientes são todos muito amplos e vai ter espaço de sobra para ele correr e brincar.
Após aquelas explicações, Cris ficou mais calma. Afinal, após a morte de seus pais, Romeo passou a ser seu companheiro inseparável para todas as horas.
Ao chegar no balcão do aeroporto e ver suas malas despachadas e o Romeo instalado na caixa de transporte, Cris desatou a chorar, como se seu pet estivesse sendo levado para uma eutanásia. Só se acalmou após buscar forças com todos os santos e entender que tudo aquilo fazia parte de seu projeto de vida junto ao Ricardo.

Após as seis horas de voo e com Romeo sobrevivendo a tudo, Cris enfim desembarcou em Lisboa. Ricardo e família já estavam no aeroporto aguardando ansiosos pela mais nova integrante da família.
A alegria tomou conta do lugar. Abraços apertados, carinhos no Romeo, etc. Enfim, todos querendo mostrar boa receptividade para Cris.
Os dias seguintes foram intensos. Ricardo levou-os para conhecer os pontos turísticos de Lisboa e, obviamente, em todos eles, Cris sempre levava o Romeo. Dona Alice até se oferecia para ficar com ele em casa para que o casal ficasse mais à vontade, mas a Cris sempre recusava a proposta alegando que o Romeo já tinha sofrido muito no bagageiro do avião e ela não queria deixá-lo ainda mais depressivo com sua ausência. Preferia leva-lo para todos os lugares, mesmo que isso incomodasse a todos por causa dos latidos, limpeza das fezes, paradas para urinar e a impossibilidade de entrar em alguns ambientes, por ser proibido a presença de pets.
Vendo aquele apego excessivo da Cris ao Romeo, Ricardo achou exagerado demais, mas preferiu não dizer nada para não magoar a namorada. Lembrou que, em uma de suas conversas, ele explicou que, apesar de nunca ter criado um cão, tinha a impressão de que ia se adaptar ao Romeo e todas as suas necessidades. E agora, vendo tudo aquilo, começou a perceber o que viria pela frente.
Certo dia, Cris apresentou mais uma imposição: o Romeo deveria dormir no quarto com eles, pois ficava ela preocupada que se sentisse sozinho ao dormir longe. Assim, tratou de instalar uma caminha pet ao lado da cama king do casal pra que ela pudesse levantar de três em três horas pra ver se o Romeo estava coberto com o lençol e aproveitaria para fazer um carinho na barriga. Pra piorar, o Ricardo tinha um sono leve e acordava todas as vezes que a Cris cumpria aquele ritual. No dia seguinte, saia para o trabalho caindo de sono, pela noite mal dormida.
O inverno chegou intenso neste ano em Lisboa e, juntamente com isso, todas as mudanças de hábitos nas pessoas.
Cris e Romeo nunca tinham enfrentado qualquer frio na vida. No Brasil, o clima era sempre muito quente nas cidades do norte, tornando tudo muito mais fácil de lidar.
Para enfrentar aquele clima desconhecido, Cris e Romeo viviam enrolados em agasalhos e cachecóis. Ela afirmava que tudo aquilo era para que Romeo não resfriasse. E apesar de Ricardo explicar que o pelo do cachorro já servia de proteção natural para os climas mais frios, Cris mantinha os dois entubados.
Ricardo e família já estavam começando a ficar incomodados com aquelas situações que foram se apresentando desde a chegada da nova moradora e seu pet. Mas resolveram exercitar suas tolerâncias, em prol da felicidade do casal.
Certa noite, o frio intensificou. Estava beirando zero grau, quando o casal resolveu deitar mais cedo para se aquecer e aconchegar, aproveitando que o Romeo estava fora do quarto. Quando o clima foi apimentando debaixo dos cobertores, os gemidos de Cris se tornaram expressivos ao ponto de serem ouvidos até mesmo por quem estava do lado de fora.
Ao perceber que era a sua tutora que estava emitindo aqueles sons, Romeo não pensou duas vezes. Entrou porta adentro, pulou na cama e atacou o Ricardo com toda a sua ira, ao imaginar que ele estava machucando Cris.
- O PET OU EU!!! – gritou Ricardo em um brado nunca antes ouvido naquela casa.
Já no avião de volta para o Brasil, Cris não conseguia segurar as lágrimas ao lembrar que mais uma vez seu relacionamento não vingou. E desta vez nem foi por conta de traição e sim, por amar seu pet ao ponto de não conseguir impor limites para não atrapalhar sua vida pessoal.
- Aceita um lenço? – perguntou o rapaz sentado na poltrona ao lado.
- Poxa, obrigado. Aceito sim. – agradeceu Cris, percebendo que se tratava de um homem bem maduro e de uma simpatia muito grande.
- Posso ajudar em mais alguma coisa? Se me permite dizer, não pude deixar de notar que você estava despachando um pet lá na fila de embarque. E geralmente a gente fica muito apreensivo quando isso acontece. É assim que me sinto quando tenho que despachar o meu.
- Você também tem pet? - questionou Cris.
- Sim. Mas o meu fica em um Pet Home quando tenho que viajar. Fico bem mais tranquilo.
- Que legal! Você me dá o contato? Posso precisar.
- Claro que sim. Inclusive posso também te dar o meu. De repente, podemos nos encontrar para trocar experiências a respeito dos nossos pets.
E assim foram as seis horas de viagem de volta para o Brasil. Haja conversa sobre os pets, bem como sobre as afinidades entre os tutores...

Humm, será que vou ter que criar a Parte II desta história?

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Inspiração

Trata-se de uma caso real ocorrido com uma grande amiga, a qual ama seu pet de forma incondicional.

Sobre a obra

Escrevi este conto como narrador onisciente, pois os personagens são amigos pessoais.

Sobre o autor

Sou iniciante na arte de escrever, mas o incentivo de meu esposo Alê foi primordial pra eu participar nesta categoria.

Autor(a): MARIA DA CONCEICAO FREITAS GUIMARAES (CONCY)

APCEF/PA