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A Verdade Embaçada
A Verdade Embaçada
Era uma tarde comum de domingo. A televisão ligada no canto da sala misturava-se ao som das redes sociais vibrando em notificações constantes. Milena, sentada no sofá com o celular na mão, deslizava o dedo pela tela sem muita atenção, apenas passando o tempo. Um vídeo chamou sua atenção: “Notícia urgente! Veja o que eles não querem que você saiba!”. Era um título chamativo, cheio de exclamações e promessas de uma revelação bombástica.
Sem pensar muito, ela clicou. O vídeo era frenético, cheio de cortes rápidos e uma música dramática ao fundo. Uma voz grave narrava uma história sobre um escândalo envolvendo políticos, vacinas, conspirações globais e uma ameaça iminente. Milena, com os olhos arregalados, assistia em silêncio. Não era a primeira vez que ela se deparava com algo assim, mas a sensação de que estava descobrindo algo “proibido” a envolveu de imediato.
Terminado o vídeo, Milena não perdeu tempo. Compartilhou com todos os seus contatos: família, amigos, grupos da escola dos filhos, grupos de trabalho. Em questão de minutos, a mensagem se espalhou como um vírus, replicando-se em dezenas de telas, multiplicando-se com a mesma velocidade com que as palavras inflamavam a mente dos que assistiam. E ali, no meio de um grupo de família, um tio comentou: “Eu já sabia! Esse mundo está perdido!”.
As conversas começaram a pipocar. Uns diziam que era um absurdo, outros que já não confiavam em nada do que viam na TV. Milena se sentia poderosa, como se tivesse ajudado a abrir os olhos das pessoas ao seu redor. No entanto, em meio ao caos dos comentários, um primo mais jovem deixou uma mensagem: “Gente, isso é fake news. Já desmentiram essa história há meses”.
Milena hesitou. A dúvida apareceu por um segundo, mas foi logo soterrada pelo volume de mensagens que reafirmavam o vídeo como verdade absoluta. Para ela, aquilo era uma prova do que realmente estava acontecendo. A ideia de que poderia estar espalhando algo falso parecia menos importante do que a urgência de “informar” os outros.
Nos dias seguintes, a notícia continuou a se espalhar. Surgiram discussões acaloradas, amizades estremeceram, e uma neblina de desconfiança cobriu as conversas cotidianas. Cada nova mensagem recebida parecia confirmar ainda mais as suspeitas, e logo, o que começou como um simples vídeo se transformou em uma teia complexa de desinformação.
O que Milena e tantos outros não perceberam é que a fake news é como uma tinta derramada em água limpa. No início, é apenas uma gota que se espalha lentamente, mas, em pouco tempo, toda a água está turva, e ninguém sabe mais distinguir o que é puro do que foi contaminado. É uma batalha pela atenção, pelo controle da narrativa, onde a verdade é apenas um detalhe incômodo.
Semanas depois, uma reportagem detalhada saiu em um jornal de grande circulação, desmontando peça por peça a história que Milena ajudou a espalhar. Explicava como a edição do vídeo havia sido manipulada, como os fatos foram distorcidos e como, na realidade, não havia nenhum fundamento para as acusações feitas. A reportagem trazia entrevistas, provas, uma linha clara que expunha a verdade por trás das mentiras.
Milena viu a notícia, mas desta vez não compartilhou. Sentiu um desconforto interno, uma pontada de culpa que logo foi substituída pela sensação de que já era tarde demais. O estrago estava feito, e na internet, a verdade raramente viaja tão rápido quanto uma mentira bem contada.
A partir desse dia, Milena ficou mais atenta. Cada nova “bomba” que aparecia na tela do seu celular era recebida com um olhar mais crítico. Aprendeu, ainda que a duras penas, que a verdade nem sempre vem embrulhada com frases sensacionalistas e que, muitas vezes, o verdadeiro escândalo é o quanto somos facilmente enganados.
E assim, no meio do fluxo incessante de informações, ela começou a buscar com mais cuidado, a questionar mais, a hesitar antes de clicar em “compartilhar”. Porque no final das contas, a verdade, por mais embaçada que esteja, ainda é a única que pode realmente clarear os caminhos de um mundo cada vez mais perdido em suas próprias mentiras.
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Inspiração
A minha inspiração surgiu ao ver tantas noticias falsas diariamente e o comportamento das pessoas
Sobre a obra
narração de fatos e ideias, baseado em noticias
Sobre o autor
apaixonada por artes
Autor(a): ALINE SANTOS BARRETO (ALINE BARRETO)
APCEF/BA