ALÔ, ALÔ REPÓRTER ESSO!

Alô, alô Repórter Esso!

Conversando sobre a evolução dos meios de comunicação, terminei fazendo uma viagem pelo túnel do tempo de criança e, como filha mais velha de quatro irmãs, supria a falta de um irmão para o meu pai, fazendo-lhe companhia para empinar arraia, jogar bola e também ficar “ao pé” do rádio, que normalmente era ligado às dezoito horas, pois naquele tempo a televisão não havia chegado à cidade onde morávamos.
Vivíamos numa cidade que não tinha energia elétrica permanentemente. Assim, às dezoito horas o velho gerador a diesel era ligado, e desligado às vinte e duas horas, momento em que já tínhamos rezado e já estávamos enroladinhas na cama.
Eu ficava ansiosa aguardando a chegada de papai da Coletoria. Ele era servidor público, o coletor de impostos estadual da cidade. Tomava o seu banho, jantava, e logo sentava comigo juntinho do rádio. Girava aquele grande botão, e num passe de mágica as válvulas se acendiam e aquele “sedutor objeto” começava a falar. Na imaginação de criança indagava de que forma uma pessoa cabia naquela caixinha, era coisa de magia mesmo!
Inicialmente ouvíamos uma novela – Jerônimo, o Herói do Sertão. Que delícia! O mocinho era um herói brasileiro, justiceiro, honesto, e mais, justo! Se envolvia em aventuras perigosas pelo meio do caminho, sempre ao lado do seu fiel companheiro, o Moleque Saci e de sua amada Aninha, percorrendo sertões interioranos a fora para salvar as pessoas de perigos! Até hoje lembro da voz do Moleque Saci. Sendo que, quando criança, me identificava com ele!
Depois era a hora do Repórter Esso! Que maravilha! Como criança pouco entendia, mas achava lindo aquela voz falando naquele tom! Depois papai me explicava tudo, falava sobre os presidentes da república, os militares, da existência de outros países, dizia que o mundo não se limitava ao Brasil. Eu lembro muito que ele falava da Inglaterra, tanto que, aos quarenta e cinco anos, juntei dois períodos de férias e fiz um intercâmbio cultural para aprimorar o meu inglês. Adivinhem onde? Em Londres.
Diante dessa lembrança, resolvi recorrer ao Dr. Google e esbarrei no último Repórter Esso transmitido no Rádio! Fiz uma viagem pelo tempo ouvindo uma síntese da história do Brasil e do mundo! “São vinte horas e vinte e cinco minutos – aquela musiquinha -, aqui fala o repórter Esso... um serviço da Empresa Brasileira de Petróleo ... O presidente Costa e Silva fará em pronunciamento nacional uma mensagem de Ano Novo ao povo brasileiro... e falará sobre as razões do Ato Institucional número cinco – AI 5”, era dia 13 de dezembro de 1968 ... “O Conselho de Segurança Nacional das Nações Unidas condenou o ataque de Israel ao aeroporto internacional de Beirute” ...
Depois de um manancial de notícias, chegava a hora da previsão do tempo, “tempo bom” ... na verdade, o tempo não estava nada bom, uma vez que o AI 5 foi um dos mais duros atos instituídos pela Ditadura Militar, pois concedia poderes ao presidente da república para até cassar mandados de deputados federais, estaduais e municipais, proibia manifestações populares, suspendia o direito a Habeas Corpus em caso de crime político, julgados como tal pelos próprios militares. Enfim, um regime de exceção que testemunhou a tortura e morte dos que ousavam lutar contra esse câncer chamado ditadura, que tanto maculou a nossa pátria. O próprio Repórter Esso era totalmente “chapa branca”, onde a censura imperava.
Não vou descrever toda transmissão do último Repórter Esso, primeiro noticiário de radiojornalismo do Brasil, para não tirar o desejo dos queridos leitores se deleitarem nessa verdadeira viagem no tempo. Depois das notícias do dia, o nosso querido locutor, Roberto Figueiredo, aos prantos, faz uma retrospectiva dos principais acontecimentos nacionais e internacionais, dos anos de 1952 a 1968. Fantástico para arrumar a história política do Brasil e do mundo na nossa cabeça.
Boa viagem!

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Inspiração

Conversando com um amigo sobre a evolução dos meios de comunicação, lembrei do velho rádio de válvulas e do Repórter Esso, primeiro noticiário de radiojornalismo do Brasil.

Sobre a obra

Uma verdadeira viagem no tempo.
Trata-se de uma crônica que relata um tempo em que o meio de comunicação mais abrangente em nosso país era o rádio. Menciono a transmissão do último Repórter Esso, noticiário totalmente censurado. Período em que foi instituído um dos mais duros atos instituídos pela Ditadura Militar.

Sobre o autor

Comecei a escrever aos sete anos de idade, e desde o jardim de infância declamava poesias. Adoro escrever, tenho muita sensibilidade para a arte, especialmente a literatura. Considero que a vida sem a arte não teria tanta alegria, é como se fosse apenas em preto e branco.

Autor(a): MARIA DE LOURDES SANTOS ARAUJO (Lourdinha Araujo)

APCEF/BA