Sou eu!!!!




– Nunca me esquecerei daquele dia…

Meados de 2010

Desde que me mudei para essa cidade, começo a achar estranho tudo ao meu redor. O ar é mais quente, as pessoas muito diferentes. Por vezes me olham nos olhos, outras vezes olham pros meus pés. Não sei o que esperar deles, se eles serão amigos, indiferentes ou estranhos.
Estranha toda essa mudança ocorrer em plenas eleições. Por qual motivo eu inundaria minha mente neste copo de água. Borbulhar neste copo, sendo eu a pastilha efervescente e essas pessoas estranhas apenas o líquido que, pouco a pouco, vão me consumindo.
Ao menos posso chegar, desfazer minhas malas e aproveitar a “bela paisagem” que envolve prédios, janelas e o chão. Estranho pensar que o único verde que vejo é do supermercado hortifrúti com sua deliciosa água de coco a 5 reais. Que clima, que preço, ao menos a água da torneira apenas fervo e espero esfriar. Isso se a minha geladeira tiver sobrevivido a tudo isso. Olho como minha geladeira, calmamente, morre igual a mim no calor desta cidade.
Logo vou para a janela sentir o frescor deste maravilhoso local. Afasto devagar a cortina, sinto o peso de anos de sujeira que passou por ela, sem nunca ter sido trocada, ao menos ela já se cansou antes de mim, passo meus dedos pela trinca, sinto a poeira que envolve o meu dedo, quase deslizando para abrir a janela, preparo-me para a bela visão concreta que a cidade me oferece, fixo os olhos imediatamente a minha frente e me deparo com uma estranha máscara.
A máscara está envolta numa névoa negra, seus olhos estrábicos e grandes parecem olhar fixamente em minha direção, confesso que acredito que ela está olhando para mim neste momento. Ela possuía sobrancelhas quase marrons, como um arco-íris unicolor, perfeitamente parabólico. Sua boca vermelha, só que um vermelho desbotado. A máscara é velha, talvez alguém tenha esquecido dela, porém, inconscientemente, ficou tudo na minha mente.
Depois apenas organizei meus pertences, tentei trazer poucas coisas, mas sem abrir mão de minha geladeira, que, apesar de três anos de comprada, já havia sido trocado o motor por um de gás não-inflamável. O honesto prestador de serviço, ao ver a geladeira perdendo força, condenou logo o motor, trocou tudo em pleno sábado, apenas um dia antes de minha viagem, a geladeira permaneceu silenciosa, mas fria, igual à noite.

Dia seguinte

Acordo perto das 05:00, tenho que aprender a pegar direitinho a condução, enquanto o meu carro não chega da cegonha. Sonhei com aquela maldita máscara, ainda sim, ficaria feliz se fosse apenas esse o rosto a ver no meu dia.
Passei um cafezinho quente, coloquei margarina no pão, molhei o pão no café quentinho e comi. Poucos reconhecem o delicioso sabor de um pão com margarina molhado num café quentinho, os que não reconhecem, estão errados. Ainda sim, adoraria um queijo coalho, mas sabe lá Deus onde vende isso por aqui. Acredito que venda, afinal este estado foi criado com as mesmas raízes que pertenço, apesar do jeito diferente, palavras, sotaques, deve ser tudo adaptação.
Fui muito bem recebida pelos meus novos colegas de trabalho. Afinal, já os conhecia de um aplicativo chamado “mensageiro”, bem como, alguns e-mails que, vez em quando, eram direcionados para pessoas não muito interessadas nos assuntos. Tudo foi muito tranquilo, exceto pegar tantas cores de metrô.
Confesso que a máscara não tinha saído da minha mente, a imagem ocupou o mesmo espaço de um jingle de um tal palhaço. Curiosamente, o seu slogan provou-se futuramente uma grande mentira, quando ele dizia: “Pior que tá, não fica”.
Mas ficou…
Ao abrir a janela, deparo-me com um grande número 2, formado por luzes de natal. A janela parecia fechada com um papel parecido celofane, só que dar cor azul. Era um contraste estranho, uma janela fechada, mas que, ao mesmo tempo, passava uma mensagem ao mundo exterior. Mas qual o motivo de colocar um número 2?
Bem, números não faltavam, tanto por trabalhar num banco, quanto pela época eleitoral. Combinações estranhas, sistemas de conciliação contábeis, valores caros para um simples suco e promoções que na minha terra seriam considerados assaltos. Mas a luz continuava a piscar, dois… dois… dois… dois… ainda sim era estranho, eu sentia mais curiosidade que medo. Naquela noite recebi uma ligação de uma amiga que já havia morado aqui. Minha amiga falou-me da existência de uma feira do rolo, onde tudo tinha lá, pensei em ir, talvez tivesse tudo mesmo, até queijo coalho. Fiquei de ir no dia seguinte, queria dormir logo e tirar a máscara da mente, o número 2 e aquela janela azul.

Dia de conhecer a feira do rolo

Duas coisas estão me consumindo agora: A vontade de ir para a feira e a curiosidade de ver o que está acontecendo no vizinho ao lado. Logo, quanto mais perto do coração, mais próximo da realidade, então abri rapidamente a janela e novas coisas aconteceram.
A janela agora estava pintada de laranja e outro dois com as mesmas luzes de natal formavam agora o número: 22. Bem, talvez eu passe em alguma banca do bicho e jogue nos famosos dois patinhos na lagoa, ou pense nos dois patinhos que forma passear além da montanha, na beira do mar.
Voltei a mim, após o alarme não gritar quá quá quá quá, já era hora de ir para a feira. Minha amiga falou que o pessoal começava cedo, nem precisava esperar escurecer, afinal, essa cidade não dorme nunca (é o que dizem).
Coloquei um vestidinho e tentei lembrar o caminho que a minha amiga havia falado, desci alguns andares, passei pelo sonolento porteiro e, meio exitante, ele liberou minha passagem. Deve ter pensado o que uma mulher recém-chegada que não conhecia a cidade faria na rua naquela hora. Bem, se acontecesse algo importante, o Datena daria a notícia no horário local.
Apesar de parecer distante, logo cheguei na feira, só demorei bastante para achar algo para comer. Ainda sim, depois de alguns passos achei uma barraquinha de caldo de cana que eles misturavam com gengibre e limão. Achei interessante a ideia, cogitei falar que eu queria o meu caldo de cana sem açúcar, mas não achei que a piadinha seria bem recebida pelo vendedor. Já o pastel, estranhamente, estava quentinho e comprei um de queijo.
Salivei com a lembrança de um pastel de queijinho coalho e um caldo de cana. Bem, a cidade me separava uma grande decepção. Tomei um gole do caldo de cana, adorei o sabor refrescante, realmente adicionar gengibre torna a bebida mais gostosa e ainda parece ser boa para a garganta, afinal, respirar esse ar pesado não é pra qualquer um. Ainda com um sabor bom da boca, mordi o pastel e percebi que, além de uma grande quantidade de vento, eles estavam utilizando queijo muzarella ou muçarela ou “prefiro pastel de queijo coalho”.
De buchinho cheio, andei mais um pouco na feira, tinham tantas antiguidades, moedas, pessoas querendo colocar algo na sua mão dizendo que é de graça, tanto que uma dessas pessoas conseguiu e falou:

– Você não é daqui né? – E enfiou um cadeado transparente e algo que parecia um lockpick. O cadeado fechado tinha um chaveiro preso nele com a imagem da Hello Kitty.

– Desafio você, se você abrir o cadeado com essa ferramenta, você ganha o chaveiro e a ferramenta. Já se perder, você vai me dar um dinheirinho, o que Deus tocar no seu coração.

Bem, achei um desafio estranho, mas precisava de um chaveirinho pras chaves novas. Olhei aquele cadeado transparente e pensei que aquela coisa que ele chamava de lock pick ia servir como se fosse uma chave. Mas ela não parecia uma chave, não era só colocar lá dentro que o cadeado abriria. Pior, lembrei que só tinha sobrado uma cédula na minha carteira: Uma cédula de 20 reais.
Comecei a ficar preocupada em perder a única nota que tinha na carteira, coloquei o tal lock no cadeado, mas ele não abria de jeito nenhum, percebi um belo olhar de satisfação do rapaz, como se tivesse pego mais uma trouxa. Ele até tentou puxar um assunto para me desconcentrar.

– Se você votasse aqui, pediria para você votar no palhaço. Já que lá em Brasília só fazem palhaçada, ao menos um palhaço genuíno ia ajudar, você precisa ver o vídeo dele pedindo voto, são engraçadíssimos! – Falou ele enquanto torcia para que eu desistisse.

– Não, sem palhaçada, vou ganhar esse chaveiro – Respondi negando o estranho pedido de voto, afinal, eu nem votava na cidade ainda.

Fui ficando cada vez mais nervosa, minha não estava suando, senti o cabelo molhar e começar a reduzir lentamente em meu pescoço. Sensação estranha, mas eu acreditava que tudo ia dar certo. Lembrei de quando eu jogava joguinhos de luta. Eu sempre ganhava aqueles joguinhos e usava a mesma estratégia: Apertar todos os botões loucamente.
Assim, fiz igual, comecei a tirar e colocar aquela ferramenta no cadeado, colocar pra cima, pro lado, tentar virar como se fosse uma chave e…

Click!

– Abriu! – Falei com pose de vitoriosa, o vendedor pegou o cadeado de volta e me entregou o chaveiro e o lock pick de brinde.

– Toma o santinho do meu deputado e não ensina ninguém esse segredo não viu? Você foi a única que não me pagou nada hoje – Logo ele saiu de minha vista e voltei pro apartamento.

Segui, finalmente, para o meu apartamento, mas não sem antes olhar para o prédio da janela suspeita e perceber uma luz saindo de lá. Segurei o chaveiro, toquei no lockpick e pensei.

– E se… e se…

Deixei a ideia louca para lá, passei do meu prédio um pouco e finalmente achei uma padaria que vendia um queijo coalho, pedi para assar ali mesmo e enfiei num pão.

– Isso sim que é vida. – Falei de boca cheia, enquanto quase me engasgo.

Voltei pro apartamento, guardei as coisas, mas a curiosidade em olhar a janela foi maior.
Queria saber qual a novidade que me aguardava.
Para minha surpresa (ou talvez não), a situação tinha escalonado de uma maneira diferente. Na janela agora formava um 222, a janela estava, mais uma vez aberta, uma luz roxa emanava daquele ambiente, porém, o que mais me deixou intrigada (Não sirvo pros celíacos), foi uma outra máscara.
Aquela máscara era ainda mais estranha. Ao mesmo tempo que pareciam linhas brancas de um rosto, percebia que ela tinha bochechas coradas. Olhei fixamente e sim, tinham maçãs vermelhas, linhas simples de rosto, porém o buraco do olho era escuro, um olhar vazio em minha direção.
Percebi que o meu corpo estava assustado e cansado, apertei o meu novo chaveiro, pensei naquele cadeado que abri e ao deitar na cama, uma frase ficou na minha mente.

– E se…

O final

Naturalmente, minha noite foi péssima, naquele dia. De bom, apenas o dia de folga que eu teria. Infelizmente, minha mente não mais relaxava, depois daquela máscara, nada mais tirava a curiosidade de minha cabeça. O que teria naquele quarto? Por qual motivo todas as mensagens estavam viradas diretamente para meu apartamento? O que significariam aqueles números? E… o mais importante: Por qual motivo aquela máscara parecia uma máscara de palhaço?
Mal deu tempo de tomar o meu copo com água e vi mais uma novidade: Agora eram quatro números que formavam o número 2222. O número até me parecia familiar, mas todo resto não fazia sentido. Para que chamar a minha atenção com aquela numeração? O que aquele morador ia ganhar insistindo naquele número para mim. Bem, só havia uma forma de descobrir tudo aquilo: Indo lá.
Tentei fantasiar-me no melhor estilo herói Marvel: Óculos escuros e boné. Peguei o meu chaveiro, desci rapidamente as escadas pensando que talvez com velocidade e discrição, não iria ser notada, bem, isso até o porteiro me chamar pelo nome… paciência.
Não desisti. Ao sair do meu prédio, olhei para o outro edifício para confirmar o andar correto. Não sabia se teria portaria ou não, se teria que entregar algum documento, não sabia se eu seria barrada. Enfim, fui com a fé e a coragem.
Grata surpresa! Prédio comercial, não iria ser difícil entrar. Apertei o meu chaveiro. Não acreditava naquela loucura, na minha mente duas coisas se repetiam. Primeiro, a ideia de que iria dar muito errado. Segundo, aquela música estranha que repetia: Índia seus cabelos.
Parei numa floricultura para ter a desculpa ideal: Flores de boas vindas. Escolhi belas flores vermelhas e fui atendida pela dona da loja, a simpática senhora Tina da loja “Flores Tina de Jesus”.
Achei que o ideal seria fugir do elevador, péssima ideia, fiquei cansada com apenas dois lances de escada, mas finalmente cheguei ao apartamento que queria: O apartamento 22.


Do outro lado da porta, bem lá no canto, avistei um vulto, a luz estava bem baixa, mas foi possível perceber várias cores. Aparentava ser um homem de porte médio, sua calça era de uma cor alaranjada meio escura. Sua camisa chamava bem a atenção. Era uma rouca de cor preta com vários símbolos geométricos. Haviam quadrados brancos, retângulos vermelhos, círculos beges. A camisa era manga longa, porém algo estava estranho: Ele cobria o seu rosto com as duas mãos.
Apertei a flores que tinha comprado como desculpa para entrar no apartamento. O silêncio era quebrado apenas pela minha forte respiração, não conseguia perceber se aquele vulto erava vivo ou não. Ele aparentava apenas estar parado em minha frente, podia ser um manequim vestido com aquela roupa.
Fui me aproximando lentamente e percebi que ele estava também com um chapéu onde predominava a cor vermelha, laranja e preta. Poderia realmente ser um manequim, porém, ao me aproximar, percebi que ele realmente respirava, mas sem tirar as duas mãos do rosto.
Fui chegando lentamente mais perto, acima da cabeça daquele homem estava novamente o número 2222, porém, logo abaixo tinha um número maior: 1348295. Talvez um dia eu estude a cabala e perceba qual a relação entre essa figura fantasmagórica e estes números.
Busquei saliva para engolir e não consegui achar, minha boca estava seca, pigarreei. Busquei continuar andando devagar, conseguia sentir a respiração daquele homem perto de mim, era estranho, mas eu parecia que o conhecia de algum lugar. Talvez algum papel, talvez algum filme, televisão. Talvez algo de terror, uma espécie de “IT” Brasileiro.
Percebi um sorrisinho saindo entre suas mãos, não houve mais tempo para voltar atrás. Ele, sorrateiramente perguntou:

– Adivinha quem é.

Porém, ele não aguardou que eu respondesse e rapidamente tirou as suas mãos do rosto gritando:

– SOU EU, O TIRIRICA, PEGUEI VOCÊ, ENGANEI VOCÊ, VOCÊ PENSOU QUE EU FOSSE OUTRA PESSOA!

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Inspiração

Um mistério num grupo de whatsapp.

Sobre a obra

Pensar em uma das alternativas de um dos grandes mistérios que apareceu num grupo de whatsapp de amigos.

Sobre o autor

Autor de sete livros e escritor por insistência.

Autor(a): THULIO PHELIPE ANDRADE DO NASCIMENTO (Thulio Phelipe)

APCEF/PB


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