ASCORPSO

ASCORPSO
Rodrigo Passolargo

Aviso: Não leia.

Acho que você não sabe o que é um Ascorpso. Praticamente ninguém conhece um, ou mesmo o viu. Mas ele está tão perto de você quanto este texto dos seus olhos.
Não dá para ver um Ascorpso. Ele se esconde nas dobras do corpo humano e, quando nos mexemos, ele se movimenta para a dobra mais próxima. Entre os dedos, atrás dos joelhos, debaixo da orelha, dentro da boca, axilas, nariz, entre as pernas. Um Ascorpso estará lá e, se procurar bem, você terá uma remota chance de encontrá-lo.
Um Ascorpso é imune à visão de outra pessoa. Isso quer dizer que somente os olhos do hospedeiro podem tentar rastreá-lo pelo próprio corpo. Ascorpso também não aparece através de aparelhos ópticos como câmeras ou similares. Espelhos e reflexos não adiantam.
Quando o Ascorpso percebe que seu hospedeiro está à sua procura, ele também pode se espreitar nos locais onde você não consegue, mesmo se não for uma dobra. Sola dos pés, costas, cabeça, por exemplo. Mesmo não apreciando esses lugares, refugia-se.

Mas o que um Ascorpso faz?

Ele tem o objetivo de necrosar seus pensamentos. Sua vilania reside na habilidade de sugar boas lembranças e fazer toda sua estrutura física sofrer. Consegue identificar até mesmo a fagulha alegre de um sorriso de ponta de boca e injeta no hospedeiro uma toxina que o faz ter ira dos sorrisos alheios. O incômodo pela felicidade do próximo é recorrente. Escondido, um Ascorpso observa tudo que você faz. Ele sequestra seu entusiasmo e a devolve necrosada para o organismo, afetando cada nervo. Um Ascorpso tem a capacidade de não dormir por meses, na vigia constante o seu corpo.
Um Ascorpso aproveita os momentos de descanso e entra na sua cabeça através de qualquer orifício. Boca, ouvido, nariz, olhos, umbigo. Ao entrar, o Ascorpso finca sua ventosa no cérebro e utilizar-se do inconsciente para te contaminar. Esse fator patológico facilita o processo de envenenamento diário. Isso significa que, ao leito, ele expele substâncias para que você permaneça predisposto a receber toda contaminação emocionalmente necrosado durante ao acordar.
Um Ascorpso não sobrevive hospedado num corpo sem vida. Tem forte atração por mentes, seduzido por qualquer sinal delas. Não é à toa que a maneira de transmissão de um Ascorpso é ler ou escutar seu nome pelo menos treze vezes num curto tempo.

Como você acabou de fazer.

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Inspiração

A inspiração da obra veio na tentativa de materializar - através da literatura - muitos dos sentimentos e emoções que sentia. Esse "expurgo literário" me ajudou a entender, enfrentar e superar tudo que um Ascorpso fez comigo.

Sobre a obra

Optei pelo gênero do conto porque a narrativa curta possibilita que minha história tome forma e impacto. Foi com essa escolha que creio que obtive o resultado desejado: que a história continue e seja carregada pelo leitor mesmo após o término da leitura.

Sobre o autor

Rodrigo Passolargo (Rodrigo Miranda) é escritor cearense. Publicou em diversas antologias e é autor dos cordéis O Rei Soim e Corisco e a Anta Esfolada. Roteirista de No Bloco da Saudade, vencedor de Melhor filme no Festival Internacional de Cinema de Curta Metragem. Enredista Escola Corte do Samba. Selecionado para 1° Bienal Livro Caixa (2024)

Autor(a): RODRIGO MIRANDA PORDEUS (Rodrigo Passolargo)

APCEF/CE


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