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DIA DE MISSA
DIA DE MISSA
Não me considero católica. Não entro em uma igreja há muito tempo. Lembro quantas vezes na infância acordei, me levantei, me arrumei e compareci a esse ritual. Minha mãe do lado, sempre muitas lágrimas no começo. Com o tempo aprendi que aquilo era o ato penitencial, momento de pedir perdão a Deus pelos pecados cometidos. Ela sempre se emocionava muito. Perdão concedido, glória, aleluia! A leveza da música tomava conta.
A gente ia se envolvendo e purificando a alma nas leituras e nos ritos. Na maioria das vezes essa parte dava sono, alguns textos ou repetições mais difíceis de se acompanhar, e a gente desviava a atenção para as pessoas da frente, para os músicos afinando os instrumentos e para as mães tentando controlar as crianças barulhentas.
Assim chegávamos ao momento da comunhão. O sangue e corpo de Cristo nos sendo oferecido como renovação. Confesso que a única vez que me lembro conscientemente de receber a hóstia foi na minha primeira eucaristia. Nunca me senti digna daquele pedaço de quase papel, pois sabia que essa honra era para os que haviam se confessado com os padres.
Engraçado como nos sentimos a vontade para essa confissão com nossos amigos ou terapeutas, mas com o padre nunca senti essa necessidade, portanto não participava. Minha mãe, como mulher separada, também não se permitia, mas sofria por se privar desse momento que, pra ela, era sagrado. Sei que muitas das lágrimas dessa parte da missa refletiam a sua frustração quanto a esse impedimento.
Todos devidamente purificados para os novos pecados, vinha a minha parte preferida: a paz de Cristo. Nossa! Como eu esperava essa hora para cumprimentar minha família e principalmente olhar nos olhos e pegar na mão de estranhos, mostrando que os enxergava. Muitos faziam por obrigação e o constrangimento às vezes era nítido, mas eu fazia pela vontade de deixar um sorriso na vida daquelas pessoas.
Então, o ápice, todos de mãos dadas, o Pai Nosso. Quando era cantado me arrancava soluços. As mensagens finais da comunidade e podíamos seguir o domingo, o almoço, o churrasco, o cinema.
Hoje é domingo. Tempos difíceis. Covid lá fora. Templos fechados por uma quarentena interminável. Pois esses tempos ressignificaram minha forma de viver essa experiência. Comecei a acompanhar a missa do padre Fabio de Melo. Horário perfeito pra quem gosta de dormir até tarde, canal eficiente, comunicador talentoso e sensível. Me conquistou!
Percebi que apesar de falar tanto em fé eu estava praticando de forma rasa. Agora preparo o meu ritual, com tudo que aprendi. Acendo minha vela, peço meu perdão, me emociono e comungo com pão e vinho como meu coração pede. Me permito trazer a igreja pra dentro da minha
casa.
Minha igreja, moldada pelas referências deixadas por minha mãe. Me pergunto como será a igreja que deixarei pra minha filha. Uma mãe que comunga no domingo, acende incensos todos os dias, sopra canela no primeiro dia do mês, mergulha no mar pedindo licença a Iemanjá, acredita em mapa astral, faz perguntas ao seu oráculo de cabeceira, lê salmos, pede ajuda a São Longuinho (muitas vezes) e agradece todas as noites antes de dormir.
Seja como for não tenho dúvidas que estou deixando uma igreja de amor, que, para mim, deve mover qualquer crença. Assim ela terá a liberdade de acessar qualquer uma dessas referências para encontrar a própria espiritualidade, e, lá na frente, quem sabe, escreverá um texto como esse. Estou curiosa? Sim. Mas como esperamos ansiosamente pelo fim da pandemia, terei que esperar por esse momento e principalmente confiar que ele chegará.
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Inspiração
Em 2020, durante a pandemia, comecei a escrever um livro de crônicas baseado na realidade que estávamos vivendo e todos os sentimentos que se intensificaram naquele momento. O livro foi publicado em 2023, com o título "Isso merece textão - Diário de uma Pandemia". Este é meu texto favorito pois marca o início da minha busca espiritual.
Sobre a obra
Este texto, como todos os que compõem este meu primeiro livro, foi criado com inspiração em autores como Luiz Fernando Veríssimo, Carlos Eduardo Novaes e Martha Medeiros. Normalmente uso linguagem coloquial e instrumentos de descrição para transportar o leitor aos fatos narrados, de forma a fazê-lo se identificar em alguma parte do que é descrito.
Sobre o autor
Desde pequena gosto muito de escrever. Recebi isso por herança da minha mãe, professora, que escrevia muito bem e era espirituosa e criativa em seus textos. Realizei este sonho de publicar um livro em homenagem a ela, que partiu sem mostrar ao mundo todo seu talento. Faço por ela, faço por mim, e faço por minha filha, com muito orgulho.
Autor(a): SORAIA PESTANA NUNES DA CUNHA (SORAIA PESTANA)
APCEF/SP