Long Beach

- Estamos em Long Beach – comentou Tadeu, com o sorriso que fazia surgir a covinha no rosto, assim que puseram os pés na areia.
- Hã? – Bianca olhava tudo ao redor, enquanto segurava com força a mão de Joaquim. Se o irmão de quatro anos desembestasse a correr, a mãe ficaria uma fera: por que não tomou conta dele?
- Ora, Praia Grande em inglês.
Bianca desviou o olhar para longe, sentindo o rosto corar. Tadeu era bem charmoso, com aqueles cabelos meio compridos e barba por fazer. E também divertido, fugindo da mesmice dos outros adultos. Era amigo de Aloísio, o sócio rico do pai dela na oficina mecânica, e dividia com ele um dos quartos na casa de veraneio.
Na noite anterior, espremida entre as outras crianças no banco de trás do carro, Bianca havia vislumbrado pela primeira vez as ondas brancas beijando a areia na escuridão. E os bares fechados, as poucas pessoas caminhando pelo calçadão com as luzes, enquanto passaram tentando encontrar o endereço da casa. Ajeitou a cabeça de Joaquim no seu ombro e cutucou Tainá, a filha dos vizinhos, adormecida numa posição desconfortável. À sua frente, só via os cabelos descoloridos da mãe, que havia tagarelado com o pai durante toda a viagem, e agora estava como se tivesse acabado a pilha. Logo atrás, vinha o carro de Aloísio com seus convidados. A esposa e os filhos não viriam, estavam visitando parentes em Curitiba. Poucas vezes ela havia visto a família dele.
Os adultos ocuparam os três quartos da casa. Os pais de Bianca dormiram na cama de casal, Aloísio e Tadeu em um beliche. Malu, a bela amiga de Aloísio, ficou com o quarto menor. As meninas se esparramaram na sala, num colchão ao lado da mesa de centro, e Joaquim no sofá. Somente no café da manhã foram apresentadas ao rapaz com a covinha no rosto e à morena de corpo escultural, com um jeito meio grosseiro de falar alto e rir o tempo todo, enquanto Aloísio tocava sua mão, seu ombro ou seus cabelos. Bianca nunca tinha prestado atenção na esposa de Aloísio, séria e discreta, meio velha, igual a sua mãe. Será que ela também era amiga de Malu e de Tadeu?
Agora os pensamentos estranhos iam sumindo na imensidão de água salgada que se estendia à frente, na imensidão do sorriso e da voz de Tadeu. Pela primeira vez, a presença de Tainá era incômoda. Sempre haviam sido melhores amigas. Dois anos mais velha que ela, a filha dos vizinhos tinha o corpo mais desenvolvido, e dividia com ela as atenções do misterioso rapaz.
- Bianca! – gritou a mãe, sentada na sombra, a uns dez metros adiante na praia – Vem passar protetor! Tainá, você também!
As meninas arrastaram Joaquim, que tentou se desvencilhar enquanto a mãe o besuntava com o produto. A mesa ocupada pelos adultos, ao lado de um quiosque, tinha várias latas de cerveja vazias.
- Não quero esse protetor de criança! Ele não deixa a gente bronzear...
Estava com onze anos; por que não podia passar o mesmo que a mãe usava? Sentia vergonha de seu corpo magro demais para o biquini emprestado; tinha que ficar segurando a parte de baixo para não sair do lugar quando entrava na água. Será que Tadeu a acharia muito feia, com aqueles cabelos duros de sal? Queria um passeio de balão. O pai reclamou que era caro, e além de tudo havia uma fila gigante. Queria ficar como a Malu, com aquela pele marrom. Ela não desgrudava do Aloísio, cuja expressão era indecifrável por trás dos óculos de sol espelhados. O sócio do pai usava uma bermuda estampada, e tinha o peito coberto de pelos grisalhos. Com o maiô verde de sempre, o rosto escondido pelo chapéu de palha, a mãe parecia pouco à vontade.
Malu era legal. Dava atenção para as crianças, perguntava se queriam água ou suco. Um refrigerante, quem sabe? E Tadeu, tão simpático. Tão bonito. Bianca o rodeava, querendo aprender mais algumas palavras estrangeiras.
- E como se diz balão em inglês?
- Baloon.
- Ah, que sem graça!
O balão subia novamente, circulando sobre o mar, e Tainá provocou:
- Duvido que você tenha coragem de dar uma voltinha...
- Vai lá convencer o meu pai - respondeu, mal-humorada. Passava de uma hora da tarde, e nada desse povo falar em almoçar. Foi Malu quem sugeriu, pouco depois: do outro lado da avenida tem um shopping. Por que a gente não come alguma coisa por lá? Acostumadas com a cidade pequena e a falta de opções, as meninas se empolgaram e convenceram todos a participarem da aventura.
O dia passou rápido, e a noite devagar. Na madrugada, Bianca despertou com um barulho. Quase bateu a cabeça na mesa. Percebeu uma sombra no corredor: o que Malu ia fazer no quarto de Aloísio? Acordou Tainá. Dois anos mais velha que ela, a amiga sabia de tudo: acho que ela é garota de programa.
- É o quê?
- Deixa pra lá. Eu não falei nada, tá?
No segundo dia o pai inventou de conhecer outra praia, fora da cidade. O carro de Aloísio seguia de perto, enquanto as casas simples foram dando lugar a belas mansões rodeadas por jardins exuberantes. Tainá apontou um imóvel com telhado irregular e grandes vidraças com vista para o mar:
- Olha a minha casa.
No quarteirão seguinte, passaram por outra maior, e Bianca apontou.
- Aquela é minha.
Tainá continuou:
- Olha aquela, é a casa do meu mordomo.
Na próxima esquina, a residência em estilo moderno com paredes cor de terra encantou Bianca:
- Aquela é a casa do cachorro do meu mordomo.
Tainá não deixou barato:
- Aquela lá, tá vendo? É a casa da pulga do cachorro do meu mordomo.
Bianca ficava irritada. Não conseguia vencer Tainá.
Assim que chegaram ao destino, Tadeu tirou a prancha do bagageiro e chamou as meninas:
- Querem aprender a surfar?
Com gosto, escaparam de cuidar do Joaquim. Foram para a extremidade da praia. Tadeu segurava a prancha sobre as ondas para elas se equilibrarem, uma de cada vez. Não estava ensinando de verdade, mas era divertido. Quando Bianca ameaçava cair, ele a segurava pela cintura, e ela sentia um calor se espalhando por baixo das costelas.
Passaram bem pouco tempo naquela praia. No carro, voltando para a cidade, a mãe estava muito séria.
- Não quero saber de você dando confiança para esse rapaz, entendeu, Bianca? Nem você, Tainá. Seus pais não estão aqui e eu sou responsável.
E mais tarde, para o pai: por que você convidou essas pessoas? Para ficar na mesma casa que seus filhos? Falta de respeito! Ele desconversou, constrangido: não os conhecia antes, havia confiado em Aloísio.
E Bianca ficou amuada. A mãe era mesmo uma chata.
No meio da noite, Tainá catou uma revista debaixo do colchão. Olha o que eu achei. Vou te mostrar o que a Malu faz com o Aloísio e com o Tadeu.
Foram até a janela, buscando a claridade da rua.
- Onde você achou isso?
- No quarto do Aloísio. Gaveta do lado da cama.
A sequência de fotografias contava uma história sem muito enredo, com um patrão e uma secretária ruiva que rapidamente tiravam as roupas e se entretinham em atos sexuais. Era nojento, bizarro, e ao mesmo tempo... dava um calor estranho, igual a quando Tadeu pegava na sua cintura. Um misto de vergonha e curiosidade. Perturbada, mal dormiu o resto da noite. A pele queimava, a boca seca pelo excesso de sol durante o dia.
Na tarde seguinte, na praia, tocava um samba. Havia muita gente circulando. As ondas rugiam mais que o normal. Um salva-vidas com band-aid no nariz e camiseta amarela ocupava o posto elevado no meio da areia. Malu rebolava, com o biquini fio-dental exibindo o bronzeado perfeito. Em meio às latas de cerveja vazias na mesa, surgiu uma garrafa de batida de coco. A mãe tomava pequenos goles num copo de plástico. O pai ensaiava uns passos, sorrindo para Malu. A mãe puxou-o pelo braço: chega de dar vexame, você nunca foi de dançar. Ele deu um tapa na sua mão.
- Ora, me deixa! A Malu vai me ensinar, não vai?
A mãe tinha um ar feroz. Bianca nunca tinha visto o biquíni preto que ela usava; seria também emprestado? A parte de cima não tinha alças e revelava o colo vermelho de sol. O cabelo tingido, Bianca sabia, era para agradar o pai. Agora ele parecia mais empolgado era com os cachos escuros da outra, que balançavam ao ritmo da música. Bianca pensava o tempo todo na revista. Imaginava Malu fazendo as mesmas coisas que a ruiva das fotografias. Com Aloísio. Com Tadeu também, será? Que nojo. E a mãe, fazia com o pai? Não conseguia imaginar. Foi por isso que você nasceu, afirmava Tainá, que sabia de tudo.
Tadeu trocava olhares furtivos com as meninas. Bianca desviava o rosto, com medo de alguém perceber. Aloísio estava animado, a voz mole, errando as letras das músicas que Malu continuava dançando. A mãe bateu a garrafa com força na mesa, se levantou e saiu. Tadeu tinha ido buscar bebidas. O pai mal percebeu. Ninguém viu quando ela entrou no mar.
Foi o salva-vidas com band-aid no nariz que surgiu com ela nos braços, toda roxa do pescoço para cima. Pousou-a na mureta, colou sua boca à dela. Uma multidão se formou enquanto o rosto dela foi voltando à cor normal. Apavorado, o pai a rodeava. Ela cuspiu-lhe apenas uma palavra:
- Vexame.
A palavra perseguiu Bianca na manhã seguinte, quando deixaram a casa antes do combinado. O carro de Aloísio não seguia atrás. Era falta de educação, mas ela não havia conseguido se despedir de Tadeu. A cabeça platinada da mãe seguia imóvel, no carro um silêncio, e não era cansaço. Encostar nas outras crianças era doloroso. A pele ardia. Será que a de Tainá também? Bianca acenou num gesto de adeus para as ondas, que iam ficando para trás enquanto o carro subia a serra.

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Inspiração

O conto foi escrito a partir das lembranças de minha primeira viagem à praia, com a filha dos vizinhos e um grupo de amigos de meu pai. Havia muita tensão entre os adultos, mas eu não conseguia compreender o que estava acontecendo. Procurei trazer o olhar da criança começando a se descobrir como mulher.

Sobre a obra

Aos onze anos, Bianca visita o litoral pela primeira vez, acompanhada pela família e por Tainá, sua melhor amiga. A casa de temporada onde ficam é compartilhada com Aloísio, sócio do pai, e seus amigos Malu e Tadeu. Na praia, Bianca recebe muita atenção de Tadeu, o que lhe desperta sensações até então desconhecidas.

Sobre o autor

Atualmente, tenho quatro romances e um livro de crônicas publicados, além de diversos trabalhos premiados em concursos literários, abordando os problemas sociais enfrentados pelas mulheres brasileiras.

Autor(a): JENNY ALEXANDRA RUGERONI (Jenny Rugeroni )

APCEF/SP