O ÔNIBUS

Mariana não conseguia disfarçar sua irritação com a internt móvel. Estava sentada numa poltrona que ficava mais ou menos no meio do ônibus coletivo.

De repente. Foi tomada por um desespero, o coração acelerou e um filme de terror passou na sua mente. Havia assistido recentemente ao filme ônibus 147 e os jornais não lhe deixavam esquecer que vivia numa cidade de alto risco. Esse desespero tinha cor e idade. Um jovem negro acabara de entrar no coletivo e caminhava em sua direção. Nesse momento, a conexão não mais importava, a vida e o celular estavam em perigo, só queria se salvar. O susto ressaltou o branco da pele e o sangue, azul pela transparência, praticamente congelou nas veias.

- Posso sentar?

A pergunta soou como uma sentença e ela não conseguiu responder, mas, buscando forças no fundo da alma, conseguiu mover lentamente as pernas para o lado, dando passagem ao rapaz que sentou próximo à janela.

Foi então que Mariana percebeu que o decote, pelo descuido e pelo tamanho da roupa, parecia muito generoso, mas não teve forças para ajeitar a blusa, que, nessa altura, diante do perigo que se instalara, já não era o maior problema. Tinha que proteger seu patrimônio, sua reputação e sua vida.

Apesar da situação periclitante, teve tempo para refletir sobre o grande paradoxo da situação; uma vida sem celular não valeria a pena, mas, talvez, o patrimônio não valesse mais do que a vida, pelo simples fato de que sem vida não poderia desfrutar o patrimônio.

Essa reflexão quase lhe arrancou um sorriso, mas logo esse êxtase passou e voltou a se preocupar com o passageiro ao lado. Um frio percorreu-lhe a espinha quando, demonstrando irritação, ele lhe perguntou:

- Você tem sinal?

Não respondeu. Não teve forças. Apenas meneou a cabeça para um lado e para outro. Nem o agradecimento do vizinho de viagem a tranquilizou.

O rapaz desistiu de acessar a internet e seu movimento a fez soltar um grito, que só não assustou a todos porque não conseguiu ultrapassar a garganta.

Após guardar o celular na cintura o rapaz se recostou na cadeira e, sem ter o que fazer, iniciou uma série de atitudes que lhe pareciam suspeitas: ora olhava as ruas que passavam pela janela, como se procurasse uma rua deserta; ora olhava para o cobrador que guardava o dinheiro numa caixinha que ficava sob o banco, como se tivesse um plano.

Mariana buscava esperança nos passageiros, principalmente nos que subiam. Logo deteve seu olhar sobre os músculos de um jovem que imaginou ser um policial. Aliás, num momento em que lhe voltaram as forças, passou pela sua cabeça que aquele belo rapaz poderia ajudá-la nessa situação e até prender o suspeito. Não tinha certeza de que ele fosse realmente um policial, mas isso não importava, ela não podia estar errada: o sujeito ao seu lado só estava aguardando a oportunidade para o ataque e o jovem, mesmo que não fosse policial, certamente a salvaria.

Enquanto decidia o que fazer, assustou-se novamente.

- Com licença!

Olhou assustada, afastou as pernas para o lado, dando passagem ao indivíduo negro. Ao mesmo tempo, o rapaz, supostamente um policial, ocupava o lugar ao seu lado.

Mariana suspirou aliviada, afinal de contas tinha sido salva pelo seu companheiro de poltrona, pois o suspeito tinha ficado com medo e desistiu de atacá-la. Pensou!

Agora, mais tranquila, continuou sua viagem ansiosa para chegar em casa e contar para a família sua experiência de quase vítima.

Posto o jantar, reuniram-se para orar a Deus, agradecendo por ter colocado aquele desconhecido no seu caminho que, com a simples presença, evitou o assalto ou, quem sabe, até o estupro.   

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Inspiração

O estresse causado por uma situação que ocorre apenas no plano psicológico
Observando o cotidiano nos damos conta do quanto preconceituosa é a sociedade e do poder da mente em criar um estresse em função do julgamento pautado pelo preconceito.

Sobre a obra

Um conto descritivo que explora a carga psicológica de uma situação cotidiana, sendo a descrição do ambiente apenas um pano de fundo para o drama que se desenvolve psicologicamente

Sobre o autor

Apenas um canal para as fantasias da mente

Autor(a): WILSON MAGALHAES (WILSON MAGALHÃES)

APCEF/PB


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