Da espantosa ausência dos vagalumes


Ardem os campos.
A alma, seca, ensaia longas travessias. Talvez para além-mar?
Inegáveis ausências a afligem.
O vôo noturno dos pirilampos, as asas perdidas das mariposas nas primeiras chuvas.
Não, não choveu. A primavera tarda e as cigarras, onde andam? Estariam silentes, assombradas? Ou teriam sido devoradas, uma a uma, por sapos, labaredas ou pássaros famintos?
Sim, faz-se urgente reconhecer a fome do mundo. Além de pão, há evidências de sede de alegria.
Um pouco de música, pede a alma. Que venham as sinfonias primaveris, as valsas compassadas, os salões cheios de risadas, as ruas plenas de festa e poesia.
Há silêncio demasiado.
Diriam muitos que não, que há excesso de barulho. Gritos raivosos, medos disfarçados, apelos grotescos dos deuses ardilosos, conhecidos apenas nas bocas fétidas dos fascistas.
Ruídos terríveis silenciam a alegria.
Correm boatos sobre chuva que caiu.
Onde seria? Pode-se correr em busca desse frescor, para banhar-se a alma num alívio?
O que se sabe e é certo, todavia: ardem os campos e os templos, nuvens sombrias avançam, sufocantes. Chamas crepitam, devoram vidas, bichos e árvores, arrasam tudo, na sanha louca, apocalíptica.
Não há navios no cais. Pelo menos, não à vista.
Seria possível fazer um grande anúncio, letreiros gigantescos: procura-se gente que produza chuva? Gente que queira dançar à luz dos dias?
Certamente há de existir, aqui e ali, aos milhares, apenas aguardando o soar de um canto, o soprar da brisa fresca, que os acorde, inspire e contagie.
É inegável a escassez das mariposas. A absoluta e espantosa ausência dos vagalumes.
Mas a alma, seca, guarda consigo, ainda, o vislumbre da utopia.





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Inspiração

Tenho um sentimento de muitas ausências. Algumas reais, como o sumiço dos vagalumes.
Outras, metafóricas, assolam a alma. Essa ausência de leveza, esse excesso de discursos violentos, de apologia ao controle da vida do outro, essa moralidade hipócrita que oculta maldades e vícios perversos, geram uma inquietação dolorosa. A esperança persiste.

Sobre a obra

Pretendi usar os recursos da crônica , permeada por alguma prosa poética, com o objetivo de seduzir o (a) leitor(a) para a observação da realidade e convidá-lo(a) à utopia.

Sobre o autor

A escrita é um dom natural, que me acompanha desde a infância. Não me debrucei no estudo das técnicas e recursos, ao longo da vida, mas dei forma ao que me surgia na observação do cotidiano, nos prazeres e dores do existir. Já tive fases de muita produção, mas a idade me deixou com mais perguntas que respostas.

Autor(a): TANIA CRISTINA BARROS DE AGUIAR (Naesperança)

APCEF/DF