A pregação






A Pregação



Tudo era reza. Lá tudo começava e acabava em reza. Foi o ambiente que encontrei outra uma vez logo que abri o portão.
Dentro da sala sons e imagens sacras de padre, rezando e cantando no átrio envolto por beatas, vinham de dentro da televisão sintonizada o dia inteiro no canal dos homens que usavam pretas batinas da Fé.
De quando em quando, duas ou três de suas irmãs se reuniam ao redor da matriarca, que trazia o terço agarrado nas mãos e os olhos acinzentados na velhice que se fixavam nas imagens de tantos santos. Tentava manter firme o corpo sofrido por doenças, prostrado, encimado numa cadeira de rodas.
Cuidariam de tirar o primeiro terço do dia rogando Graças, pedindo cura para as doenças e proteção.
Eu entendia bem o que se passava, agarrado às minhas lembranças de criança que nem me dava conta que tudo aquilo se repetia há tanto tempo, e me via participando alegre da celebração de uma missa de domingo vestido na minha roupa vermelha e branca de coroinha convicto.
Sabia de cór o que o monsenhor diria. Por isso, não me causava espanto o ritmo desenfreado e contínuo daquelas orações. Vez por outra alguém passava e logo se incorporava ao cordão. Um Pai Nosso, muitas Ave-Marias... O Primeiro, o Segundo, o Terceiro... Todos os Mistérios ali entoados em coro, em uníssono, conta por conta deslizando mansamente entre as pontas finas dos dedos.
Rezávamos para avivar, enfim, a fé e a certeza da misericórdia divina que adviria como recompensa daquela pregação.
Às vezes, aos meus ouvidos, numa conjunção com a memória, vinha um canto: "Eis o mistério da fé. Todas as vezes que provamos deste pão e bebemos deste cálix, anunciamos, Senhor, a vossa morte, enquanto esperamos a vossa vinda."
Poderia até se chegar triste, deprimido, sem esperança e com pouca crença. Porém, bastava-se estar lá para se sentir amparado, fortalecido com a certeza de que viriam em seu auxílio e alcance em outros dias, outras novenas, infinitos rosários em preces feitas para Maria e mais uma centena de carrada de orações erigidas em teu nome Pai, pois "só vós sois Santo". Elas assim repetiriam por muito tempo a rezaria como uma bênção de fé e fervor no acolhimento renhido da devoção.

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Inspiração

Recordação de uma família religiosa que se apegava à reza como forma de vida em oração.

Sobre a obra

A obra condensa a rememoração de uma família religiosa que se apega à reza como forma de vida em oração. A técnica utilizada é do micro conto.

Sobre o autor

Gosto de escrever pequenas histórias. Para o autor vida e literatura podem se misturar. Deus filho desse olhar, podem ser criadas situações cotidianas em que podem resultar histórias bem contadas.

Autor(a): CELIJON ABREU RAMOS (Celijon Ramos)

APCEF/MA


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