Campo de flores para João Ramos






Campo de flores para João Ramos


A última vez que o vi ele havia virado jardim. Achei estranho aquilo, logo ele que sempre esteve presente entre nós fazendo questão de cobrar comportamento. Só queria que nos tornássemos gente de bem, daquelas que estudam, conseguem emprego e dão um jeito de não se meter em grande confusão na vida.

Era homem comum meu pai. Era isso que ele queria para a vida de qualquer um dos seis filhos.

Agora me encontro perdido diante de seu túmulo.
Uma placa com datas da vinda e da partida ladeia seu nome e anuncia sua presença naquele lugar onde plantaram seus pés delgados pela última vez. Ele está morando junto a blocos de grama e de algumas outras plantas que minhas irmãs acharam por bem plantar na cabeceira de sua sepultura. Aos poucos elas vão crescendo, dando flores e rameando.
Não me lembro que papai gostasse de flores e tantas plantas assim. Mas agora elas estão ali e todo mundo que olha acha que ele era um grande amante daquelas cheirosas e coloridas plantas; devem achar também que é por isso que, por vezes nos encontram ali rezando, confortando-se um pouco e chorando. É certo que não acham que temos alergia às plantas.

Meu pai dava importância a muitas coisas, principalmente, se daríamos certo na vida. Cuidou a seu modo para que isso se ajustasse. No final, ele não parecia mais se preocupar, o que me faz pensar que tenha se sentido em paz e leve quando fechou seus olhos profundos e partiu para sempre.
Agora sou eu quem herdou a preocupação. Talvez por isso eu tenha achado estranho quando me vi só, olhando e chorando, diante de sua ainda recém plantada sepultura. Ele havia se transformado naquele grande campo gramado, se juntando as gramas de todas as outras sepulturas que agora lhe faziam de certa forma companhia e vizinhança estranha.

Da próxima vez que eu me encontrar por lá vou me contentar em ficar revendo diante de mim seu rosto, ver as entradas de sua cabeleira grisalha e calva no alto da fronte, e talvez sentir seu perfume, seu semblante mergulhado na infinitude de uma paz eterna e constante contrastando com as flores de plásticos que iam circundando e se desbotando sobre os demais túmulos.

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Inspiração

O luto da perda de um pai

Sobre a obra

O luto e as sensações deixadas a partir da morte do pai são os ingredientes que alimentam a criação de micro conto do autor, onde a realidade da dor da perda ganha novo sentido com a criação literária.

Sobre o autor

Gosto de escrever pequenas histórias.

Autor(a): CELIJON ABREU RAMOS (Celijon Ramos)

APCEF/MA


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