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Pedra Azul
Se eu acredito em fantasmas? Vou lhe contar história de quando eu desvendei um crime com ajuda de um fantasma.
Há alguns anos eu fiz várias provas de concursos públicos para professora. Eu havia acabado de terminar um namoro quando fui chamada para trabalhar numa cidade pequena, chamada Pedra Azul. Como queria mudar de ares, resolvi aceitar a proposta e me mudar para a pequena cidade até conseguir um trabalho melhor.
Ao chegar na cidade, logo encontrei um belo casarão com o nome Pousada Azul na faixada. Pensei que seria um ótimo lugar para viver, pois simplificaria minha vida me livrando de trabalhos domésticos e o preço deveria ser acessível.
A proprietária do lugar, dona Marieta, era uma mulher muito séria e reservada. Fez vários avisos sobre as regras do lugar, mas nada que me fizesse desistir. Os habitantes locais eram muito simpáticos e a cidade bem charmosa.
Os meus alunos eram ótimos. Eles me idolatravam como se eu fosse uma artista de cinema. Porém, quando descobriram onde eu estava hospedada, se assustaram. Diziam que aquele lugar era mal assombrado pelo fantasma da filha de dona Marieta. Apesar da história assustadora, entendi que era uma invenção das crianças e levei na brincadeira.
Fiz amizade com uma moça chamada Rute que trabalhava na escola. Um dia resolvi comentar sobre o que diziam as crianças. A moça confirmou a história. Disse que a filha de dona Marieta, com cerca de 13 anos, foi assassinada por um jagunço conhecido como João do Poço. Dias depois, a mãe transtornada tentou invadir a prisão com uma arma para matar João, mas a polícia a impediu e ela ficou presa por 4 anos. Cristina, a filha mais nova de Marieta nunca mais foi vista. Quando saiu da cadeia, Marieta transformou a casa numa pousada como forma de conseguir algum dinheiro de viajantes, já que ninguém da cidade lhe daria trabalho, pois a consideravam louca.
Achei tudo um exagero de gente do interior. É verdade que durante a noite eu percebia alguns movimentos pela pousada, mas logo concluía que se tratava de algum hóspede com insônia ou algum viajante noturno, já que a cidade ficava às margens de uma grande rodovia. Eu escutava uivos e portas batendo, mas eu sempre culpava o vento. Certa vez eu ouvi uma voz chamando meu nome algumas vezes. Saí tranquilamente esperando encontrar dona Marieta, mas no corredor não havia ninguém. Andei pelo casarão e aparentemente eu estava sozinha. Senti um arrepio, mas me convenci que era coisa da minha imaginação.
Até que numa manhã, acordei cedo como sempre e, após tomar meu banho, fui para o quarto me vestir. Então senti um forte cheiro de flores vindo do banheiro. Logo imaginei que vinha da janela, mas ao entrar, estranhei ao vê-la fechada. Quando estava voltando ao quarto, vi meu nome escrito no espelho embaçado. Foi um susto enorme. Olhei para todos os lados e não havia ninguém ali. Abri a porta do quarto e dei um grito ao me deparar com dona Marieta parada em frente à porta. Ela pediu desculpas. Disse que só queria avisar que o café estava pronto. Não consegui falar sobre o que tinha acabado de ocorrer.
Ainda assustada, fui à casa de Rute à noite. Ao contrário de mim, ela era muito ligada a questões sobrenaturais. Ficou arrepiada quando toquei no assunto e me convidou para realizarmos o “jogo do copo”. Explicou-me que se tratava de uma forma de conversar com os mortos. Eu não achava que isso seria possível, mas acabei aceitando devido à sua insistência.
Fiquei com um certo receio, mas marcamos de fazer o jogo no quarto em que eu dormia na pousada. Ela acendeu uma vela e fez uma roda com várias letras e as palavras “Sim” e “Não”. Colocamos os nossos dedos indicadores no copo. Foi assustador ver e sentir o copo se movimentando apontando as letras enquanto Rute fazia perguntas. Eu já não sabia mais no que acreditar. Um possível espírito da filha mais velha de dona Marieta, chamada Lúcia, falou conosco. E tivemos algumas revelações surpreendentes. Ela dizia que não foi assassinada por João. O verdadeiro assassino seria o atual prefeito da cidade, Celsinho Ferreira, membro de uma família muito influente. Por coincidência, o nome de Celsinho era visto por todos os lados, já que ele concorria à reeleição. Lúcia também revelou que Cristina, sua irmã mais nova, estava viva e morando em Vila Grande, uma cidade afastada.
Durante a sessão, Rute ia se recordando de nomes e histórias que ouviu na infância. Na época do assassinato, Celsinho tinha por volta de 20 anos e iniciava sua carreira política. O seu pai, Celso Ferreira ocupava a cadeira de prefeito. João do Poço trabalhou para a família Ferreira. Ele foi condenado e, segundo comentários, sofreu uma tentativa de homicídio na saída da prisão oito anos depois. Ninguém por ali sabia do seu paradeiro
Lúcia nos deu informações sobre Cristina. Com o intuito de proteger a filha de apenas 7 anos, Marieta teria entregado a criança a uma prima chamada Rita. A mulher não tinha filhos e ficou com a criança.
Dona Marieta não conseguiu esconder a chateação quando decidi sair da pensão. Não tive coragem de contar o que aconteceu e não conseguiria voltar a dormir naquele lugar. Fui para a casa de Rute, mas isso não me ajudou a esquecer a história.
Num sábado pela manhã, Rute e eu pegamos um ónibus para Vila Grande. Inacreditavelmente achamos o lugar descrito pelo espírito de Lúcia. Após perguntarmos por Cristina na praça, descobrimos que uma moça com as características que citamos trabalhava numa ótica no centro. Fomos até o local e não tivemos dúvida quando ela nos recebeu. Após fingirmos interesse nos óculos, decidi abrir o jogo e falar que estávamos ali para vê-la, que tínhamos coisas importantes para falar sobre o passado de sua família. Ela ficou bastante incomodada. Disse que estávamos atrapalhando seu trabalho e pediu que saíssemos. Nervosa com a situação, puxei meu celular e em segundos coloquei uma música antiga para tocar. Cristina ficou paralisada e encheu os olhos de lágrimas. Após alguns segundos, ela se recompôs e perguntou se podíamos voltar no fim do seu expediente.
Quando voltamos a conversar com a filha mais nova de Marieta, contamos tudo que ocorreu. Mencionamos que durante a sessão com o copo, perguntamos à Lúcia se havia algo que ajudasse Cristina a acreditar na nossa história. Ela citou uma canção chamada “O Pôr do Sol”. Cristina chorava aos nos contar que a mãe cantava essa música para as duas filhas dormirem. A música foi tão marcante que as filhas cantarolavam quando brincavam com as bonecas.
Cristina também nos contou que, apesar de ser muito criança quando foi viver com Rita, lembrava-se da mãe, mas não sabia onde essa morava. Perguntou várias vezes para Rita, mas nunca obteve resposta. Tentou encontrá-la, mas como não tinha nenhum dado, não obteve sucesso. Também disse que ela e a mãe adotiva não se davam muito bem.
Marieta teve um choque ao rever a filha. Desabou num choro catártico que me deixou surpresa. Aquela mulher tão séria se transformou completamente ao reencontrar Cristina. Agora falava com empolgação e sorria o tempo todo. Nos agradecia de forma tão efusiva que fiquei desconcertada. Ela ficou ainda mais empolgada quando falamos na comunicação com sua filha Lúcia. Queria muito que repetíssemos o procedimento.
Ao anoitecer, Rute e eu voltamos a nos comunicar com Lúcia. Marieta e Cristina observavam muito tensas e choravam a cada resposta do espírito. Dessa vez, Lúcia nos falou que João do Poço estaria vivendo em Serra Bela, uma cidade distante. Ela fez outra revelação importante: Teresinha, uma senhora que morava próximo ao Rio onde o crime ocorreu, teria testemunhado as ações de Celsinho.
Decidimos que Rute e eu falaríamos com Teresinha. Marieta estava muito nervosa e poderia assustá-la. Fomos até a casa da senhora e, quando tocamos no assunto, ela parecia aguardar aquele momento por anos. Disse que carregava aquela culpa por não ter se pronunciado e, agora, já com uma idade avançada, sentia um alívio enorme em expor o que guardava e se prontificou a falar inclusive com a polícia.
No meio desse furacão, eu fui chamada em outro concurso na capital e pretendia assumir a vaga. Porém, como já estava muito envolvida naquela história, fui com Marieta até Serra Bela. Novamente as descrições de Lúcia nos ajudaram e encontramos João. Ele estava sozinho num bar e ficou muito nervoso ao ver a mãe de Lúcia, mas ela conseguiu acalmá-lo ao dizer que sabia da sua inocência. Mais tranquilo, ele nos contou tudo que passou e que aceitou assumir o crime pensando em ajudar sua família com o dinheiro prometido por Celso Ferreira. O então prefeito adiantou uma parte e pagaria o restante quando ele saísse da prisão. Ao sair, alguns homens tentaram matá-lo, mas ele conseguiu fugir. Hoje nem contato com a família ele tinha e nunca usufruiu de dinheiro algum desse acordo. Além disso, tinha muito medo de ser encontrado pelos homens da família Ferreira.
Percebemos que João tinha o desejo de se vingar de Celso. No entanto, a família Ferreira controlava tudo na cidade, inclusive a polícia local. Após uma longa conversa, decidimos extrapolar os limites de Pedra Azul.
Algumas semanas depois eu me despedi das amigas que fiz naquela cidade. O depoimento de João e Teresinha ao maior jornal da capital causou tanto alvoroço que forçou as autoridades a reabrirem o processo. A campanha eleitoral mudou completamente os rumos e, após várias décadas, Pedra Azul teria um prefeito não aliado à família Ferreira. Pai e filho estavam presos preventivamente aguardando investigações. João escolheu um dos vários advogados que prometeram defender sua causa e aguardava uma indenização do estado pelos anos que ficou preso. Marieta colocou o casarão à venda e se preparava para viver com Cristina em Vila Grande.
Quanto a mim, vim morar na capital e nunca mais tive nenhum contato com algum possível fantasma. Também não quis mais saber do tal jogo do copo. Agora me fale sobre você. Depois do que contei, me diga: você acredita na minha história?
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Inspiração
Queria criar uma história com elementos sobrenaturais.
Sobre a obra
Um conto com narrador em primeira pessoa simulando uma conversa informal.
Sobre o autor
Gosto de contar histórias.
Autor(a): EMERSON DE SOUZA ALBUQUERQUE (Emerson Albuquerque)
APCEF/DF