O sonho de Carlito sem chão

O sonho de Carlito sem chão

Nasceu no lombo do vento
Numa manhã de primavera
Contando velhas quimeras
Hoje vive num vago relento
Neste tosco acampamento
Numa rua mundo afora
O horizonte foi embora
Deixou encilhado o pingo
Numa tarde de domingo
E na vida bateu esporas

Carlito sonhou com la sierra
Ao lado de Che e Fidel
Num galope de corcel
Fez a paz e fez a guerra
Por isso sua vida encerra
Restos de uma utopia
Vasculha frangalhos nos dias
Num andar complacente
Vai num tranco o vivente
Que a indiferença vigia

Sob o manto do céu azul
Numa noite de estrelas
Querendo eternamente vê-las
Com Camilo e com Raul
Foram às bandas do sul
Atrás da alma centelha
Desfralda a bandeira vermelha
Com ganas de índio pampeano
Na cauda do vento aragano
Ou na cancha reta parelha

Carlito reviveu Camilo
A vida melhor para o mundo
Fez das horas um segundo
Lutou com bravura e estilo
Foi da liberdade um pupilo
Um solidário guerreiro
Na pampa se fez por inteiro
Numa cavalgada tobiana
Que faz da vida mundana
Várzeas de paz num luzeiro

Carlito andarilho e mendigo
Um vazio de querência e chão
E traz no seu coração
Saudades de um olhar antigo
Procura o ombro amigo
Carlito segue claudicante
Não vê horizontes adiante
Na paisagem cinza da tarde
E o coração valente arde
Na sina de andar errante

Carlito bateu à porta
Pedindo socorro pra fome
Que na vida se consome
Quem ajuda? Quem importa?
Aquilo que se transporta
Num cálice de vinho branco
Reflito... reflito e estanco
Nas páginas de um jornal
Que plana no vento matinal
E aquece Carlito num banco

Na longa vida judiada
Cada qual tem sua hora
Que por sua sina chora
Um homem de voz calada
Cabisbaixo na calçada
A lágrima cai na avenida
Vai Carlito de alma dormida
E com o seu prato vazio
Chorando as lágrimas do rio
Curvado diante da vida

Sumiu das ruas o Carlito
Neste vasto mundo medonho
E o seu jeito tristonho
O seu andar despacito
Com isso vê no infinito...
Na alma que a gente sente
E o olhar complacente
Cruzou trilhas e regatos
E foi o derradeiro ato
Uma silhueta de sol poente

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Inspiração

Um mendigo sem teto pelas ruas da cidade.

Sobre a obra

Um andarilho sem teto pedinte nas portas das casas.
Sonha em ter uma sociedade mais justa e com isso revive Sierra Maetra com Fidel, Raul, Che e Camilo Sinfuego.
Mas tudo isso é só um delírio de Carlito sem chão.

Sobre o autor

Participante de vários festivais de músicas e poesias. Dentre eles o 16º Bivaque da Poesia Gaúcha com o Poema “Herdeiros”; Talentos Fenae 2020 com a música “O violão entre a cruz e a espada” e da 27ª Tertúlia Nativista de Santa Maria com a música “Retalhos”.
Autor de vários livros, dentre eles "O código Locatelli" e "Contos de Prata".

Autor(a): ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA (Athos Ronaldo Miralha da Cunha)

APCEF/RS

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