Quando essa pandemia passar

Quando essa pandemia passar

Quando essa pandemia passar
eu quero chutar o balde...
e o pau da barraca.
Quero sentar na rede na varanda
enquanto a chuva encharca
a imensidão da planura.
Não quero me importar se...
“o tempo se armou de fato lá pros lados do Uruguai”.
Quero dar adeus à clausura
No aconchego de um poncho.
E rezar uma Ave Maria na sepultura
dos que foram antes de nós.

Quando essa pandemia passar
quero tomar vinho tinto
em Bagé, Ijuí, Santa Maria
e em qualquer outro lugar...
em qualquer dia, em qualquer tempo,
mas que tenha parceria
para brindar à vida e distribuir abraços
e sorrisos para acalentar a alma.
O vinho terá que ser Malbec
e argentino... Lá de Mendoza...

Quando essa pandemia passar
Quero prosear na mesa de um café
Embaixo de um pergolado
com os amigos do Pampa e da Fronteira
e ver que estamos firmes e fortes.
Na pena, no verbo e nos predicados.
Quero reler um conto arrebatador.
Com os pés na areia no calor das manhãs.
Nas tardes eternamente preguiçosas
E nas inquietantes noites de lua cheia.

Quando essa pandemia passar...
quero acordar numa manhã de sol
e ir até a praça Saldanha Marinho
– na Santa Maria cheia de graça –
comprar pão integral na feirinha.
E ficar jogando conversa fora
com qualquer gaúcho passante.
Saborear mil-folhas na Copacabana1,
Café e conhaque na Boca Maldita
e folhear um livro na Cesma2.

Quando essa pandemia passar
quero visitar Ramiz Galvão, Rio Pardo
e Santiago do Boqueirão.
Em Ramiz quero jogar bolitas de gude
Na minha infância na rua José Ferrador.
E visitar a estação da Viação Férrea!
Em Rio Pardo, tomar um banho nos Ingazeiros.
E visitar a estação da Viação Férrea!
Em Santiago quero caminhar na rua dos poetas.
E visitar a estação da Viação Férrea!

Quando essa pandemia passar
quero fazer muitas trilhas
por esse mundão de Deus:
andar por várzeas e coxilhas.
conhecer o Rincão do Inferno,
caminhar sobre a Garganta do Diabo
e voltar nas cascatas do Piruva.
E conhecer o Salto do Yucumã.
Ah! Quero estar presente várias vezes
Nos invernos de São José dos Ausentes.

Quando essa pandemia passar
quero fazer o Caminho das Missões
e prosear com algum tronco missioneiro.
Em São Borja quero recitar Rillo
e em São Luiz Gonzaga, Jaime.
E na penumbra do candeeiro
cantar o “Canto dos livres”.
Quero juntar chimangos e maragatos
Solidários e sensatos.
Em cantorias com notas de Maicá.

Quando essa pandemia passar
eu quero gastar alpargatas e teclados.
E canetas nos manuscritos.
Agradecer por estar no mundo dos vivos.
E ser um pouco melhor do que já fui.
Só um pouquinho melhor, algo sem efeito
porque ninguém é perfeito.
Ranzinza e excêntrico. Quem sabe...
Afinal de contas... um velhinho
não está nem aí para certos adjetivos.




1 – Confeitaria no centro de Santa Maria.
2 – Cooperativa que comercializa livros.

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Inspiração

A pandemia e a transformação no comportamento das pessoas.

Sobre a obra

Em formato de versos soltos.
De forma poética procuro identificar uma demanda represada de assuntos, passeios, lugares e sonhos a serem realizados quando essa pandemia passar.

Sobre o autor

Participante de vários festivais de músicas e poesias. Dentre eles o 16º Bivaque da Poesia Gaúcha com o Poema “Herdeiros”; Talentos Fenae 2020 com a música “O violão entre a cruz e a espada” e da 27ª Tertúlia Nativista de Santa Maria com a música “Retalhos”.
Autor de vários livros, dentre eles "O código Locatelli" e "Contos de Prata".

Autor(a): ATHOS RONALDO MIRALHA DA CUNHA (Athos Ronaldo Miralha da Cunha)

APCEF/RS

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