O espelho tem duas faces

Domingo de dezembro. Missa. Roupas pra lavar, passar, guardar. Marmitas da semana a preparar. Hidratar o cabelo. No meio de tudo isso um coração partido tenta se curar. Se curar aos domingos é uma tarefa difícil. É o dia internacional da melancolia.
Na tentativa de manter a motivação, escolher um filme pra rodar enquanto cumpro as tarefas. A meta é algo que já vi, pra não ter que prestar atenção, algo leve pra distrair, algo antigo pra relembrar.
Procuro pelo filme Thelma e Louise por causa de uma viagem que fiz recentemente com minha melhor amiga. O Netflix não tem esse título no catálogo e sugere "O espelho tem duas faces".
Como sempre o universo com suas artimanhas (ou seria a tecnologia?). Tenho pensado muito nesse filme desde q iniciei uma dieta com nutricionista. Esperei quarenta e cinco anos pra entender que isso é importante, e com planejamento alimentar em mãos tenho praticado a “garfada perfeita” de Barbra Streisand nesse filme.
Netflix me convence.
Play.
A história me traz sensações diversas, muito diferentes das primeiras vezes que assisti há tantos anos. Melhor nem pensar em quantas. Uma maneira fofa de desconstruir a superação de uma mulher na busca pela sua melhor versão.
O tema: Homem inteligente e bonito procura mulher inteligente e feia para casar e confirmar a sua teoria de que a atração física e o sexo só atrapalham as relações.
Mesmo com esse roteiro original, os clichês todos estão no recheio. A personagem é incrível, inteligência e bom humor são seus melhores atrativos, porém se esconde debaixo de roupas e óculos fora de moda. Não liga pra aparência, leva uma rasteira emocional, e quando se dá conta disso corre atrás do prejuízo. Muda alimentação, começa a cuidar do corpo, renova o guarda roupa e finaliza o make over com cabelo e maquiagem. Assim conquista o homem por quem se apaixonou e se convence q fez tudo para si mesma.
Se você não viu o filme desculpe, mas provavelmente já teria descoberto o final na metade mesmo. E se o espelho tem duas faces eu não sei, mas tem muito do meu espelho ali. Volto ao passado e me vejo tão parecida com a protagonista.
Quando digo para as pessoas que eu era muito feia na juventude não é para ganhar confetes, nem pra dizer q hoje sou linda. É só um fato. Facilmente comprovado por fotos amareladas. Depois de muito lutar contra a baixa autoestima, o desinteresse masculino e contra mim mesma eu tive q decidir encarar o espelho de verdade, em todas as suas faces.
Como a Barbra, em um momento da minha vida, por outros motivos, eu fui para academia, mudei alimentação, aprendi a usar corretivo, comecei a pintar o cabelo, escolhi melhor o que vestir e me vi outra mulher. Diferente dela fiz isso por mim, para sobreviver e criar a melhor versão que achava que eu merecia ser.
E, diferente também dos filmes e dos finais felizes, isso me custou o casamento, alguns encontros de aplicativos furados, expectativas frustradas e até a perda de alguém que eu considerei ser o meu grande amor. Me pergunto se a vilã da minha história teria sido a vaidade.
Seria interessante se a mocinha conquistasse o galã sendo ela mesma, mas aí eu estaria falando de algum outro filme, como tantos outros já feitos após esse.
Enfim, o que sobra desse domingo de reflexões é a certeza de ter mais uma semana começando e de que tudo tem que continuar. Porque o coração está partido, mas as duas faces do meu espelho ainda cobram o melhor de mim todos os dias. E como esse filme ainda não acabou, o q resta é acreditar q ainda existe um final feliz ali a frente, com música clássica tocando enquanto os personagens dançam ao nascer do sol.

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Inspiração

Esta crônica foi escrita no meio da pandemia e faz parte de uma coletânea que estou publicando até o fim deste ano. Como as outras que fazem parte do livro, é mais uma reflexão sobre assuntos do nosso dia a dia: rotina, amor, superação, desilusão, entre outros. Essa especificamente foi uma inspiração num domingo solitário em confinamento.

Sobre a obra

Minhas inspirações ao escrever crônicas como esta vem dos autores que tanto admiro como Luis Fernando Verissimo, Carlos Eduardo Novaes e Martha Medeiros. Gosto da forma como falam do cotidiano sempre com uma mensagem a transmitir. O que escrevo eu tiro da minha observação do mundo e de mim mesma, das minhas experiências pessoais.

Sobre o autor

Sou formada em Relações Públicas e deixei minha profissão para entrar na Caixa. Acredito que meu talento seja enxergar as pessoas, mas gosto muito de escrever. Durante a pandemia escrevi textos no instagram que chamaram atenção, por isso resolvi publicá-los. Minha necessidade de comunicar e interagir está sendo suprida desta forma.

Autor(a): SORAIA PESTANA NUNES DA CUNHA (Soraia Pestana)

APCEF/SP