- Página inicial
- Detalhe obra
ENGORDA, PARA QUE TE QUERO?
ENGORDA, PARA QUE TE QUERO?
Sou nascido e criado em Natal. Potiguar convicto, meus domingos ensolarados eram na Praia de Ponta Negra. Tínhamos um ritual: acompanhar os pescadores que se esvaiam carregando a rede de arrasto. Eu, criança, ajudava pegando as piabas para devolver ao mar, enquanto belos peixes saltavam e debatiam, em vão, entre ondas e areia.
Depois disso, seguíamos passeio em direção ao Morro do Careca. Subíamos. Para mim, era uma escalada. Pelo elã da infância, chegava ao topo sem muito esforço. Na volta, parávamos numa barraca de praia, com a cozinha ali mesmo e comíamos um peixe frito, saladas e as deliciosas, mas nem sempre crocantes, batatas fritas.
Tudo muda, Ponta Negra mudou, e muito.
Em meados de 1997 subir o Morro do Careca passou a ser proibido. Ainda criança, não aceitei de bom grado. Era como se tivessem tomado um brinquedo sem eu ter feito nada. Como é que é crime se eu subia o morro com meu pai?
Minha mãe, professora de biologia e uma grande ambientalista, foi paciente e me explicou que aquilo estava sendo feito para preservar a natureza. Era o jeito que encontraram para que o Morro do Careca existisse por mais tempo.
As barracas de praia, feitas de madeira e palha de coqueiro, foram substituídas por quiosques de alvenaria, fora da faixa de areia, no que se tornou o Calçadão de Ponta Negra.
Pelas mudanças da vida, deixei de frequentar Ponta Negra. Após a maioridade até voltei por lá, para a night efervescente da capital!
Os anos passaram, como onda no mar, que vai e vem, mas na verdade não voltou ao que era antes.
Eis que surge a polêmica da engorda da Praia de Ponta Negra. Para mim, a problemática já começa pelo nome, “engorda”. Em tempos de respeito ao próximo e abominação da “gordofobia”, ninguém encontrou um nome melhor para o que se pretende? Francamente!
Superada a questão etimológica, vamos aos pormenores, sem nos ater a questões técnicas, acadêmicas, financeiras, culturais, físicas e ambientais, pois se nem os especialistas se entenderam em mais de um ano, através de estudos e relatórios, não será esse texto que vai desvendar o mistério.
Entre vai e vem de acusações e culpabilizações, entremeadas com ações judiciais, confrontos físicos e debates acalorados, a questão segue indefinida.
Vão ter que encontrar uma solução, pelo bem da Cidade.
Natal é uma das cidades mais lindas do mundo. É aprazível morar aqui. Com a licença da comparação, Natal é uma linda mulher, com uma beleza natural e sem apliques. Ela acorda, após um dia exaustivo, renovada. Bela e plena, sem nem precisar lavar o rosto. Ela é linda sem se arrumar.
A beleza da cidade é, sem dúvida, o principal atrativo de sua maior atividade, o Turismo. Uma cidade não deve ser feita para o turista, ok. Sim, para o cidadão, que assim sendo, também será boa para o turista.
Imagino que consultaram os pescadores, os comerciantes, os técnicos, os ambientalistas e até Iemanjá para saber a viabilidade e necessidade da obra.
É notório que o mar avançou, pois as ondas já beijam os pés do Morro do Careca e já derrubaram muitos metros do outrora imponente calçadão.
Dias desses ousei caminhar na beira-mar de Ponta Negra, com a maré cheia. A pequena faixa de areia ficou ainda menor. Disputei espaço com cachorro, bola, menino, água, garçons, ambulantes e uma infinidade de cadeiras, espreguiçadeiras e sombreiros. Um adensamento insalubre, insuportável e agoniante. Eles estavam querendo sobreviver vendendo, e eu queria relaxar para sobreviver. Empatamos. Pois nem eu os comprei, mas também não pude desestressar.
Esperarei, sentado, que se entendam. Que não haja a insegurança ou dúvida, se haverá ou não a engorda. Se estão claros quais os impactos negativos (inevitáveis) e positivos (compensarão!?) resultantes da engorda. Teremos efeitos colaterais? Qual a expectativa a longo prazo?
Imagino que a Praia de Ponta Negra ficará mais bela. Que não será desconfigurada. Que a engorda não será uma desastrosa “harmonização facial”.
Que a praia tenha mais espaço, que a natureza seja respeitada, que a população que lá depende também não fique desamparada. Talvez eu não volte a subir o Morro do Careca. Talvez tenha até fôlego para novamente escalar, chegar ao topo e voltar rolando. Provavelmente não será permitido novamente.
Mas para mim bastará que ele permaneça, careca e imponente, preservado, como Cartão Postal da cidade, e que eu possa dizer aos meus netos: “Subia e descia aquele morro, acredita?”
Compartilhe essa obra
Inspiração
Tema polêmico e corrente em todos os canais e mesas de Natal.
Sobre a obra
Uma crônica leve, com narrativas, viagens e opinião.
Sobre o autor
Escrevo por ousadia.
Autor(a): FAUSTO DE ARAUJO NETO (Fausto Araújo)
APCEF/RN