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Explica isso!
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Na cidade de Brasilândia, em Mato Grosso do Sul, um casal vivia muito bem seus 21 anos de matrimônio. Três filhos: duas moças; uma delas já adulta, e um garoto de 12 anos. A esposa Marieta, mulher prendada, porém, cheia de fantasias. Fantasias tais, que o marido Bernardo não levava muito a sério. Este, na maioria das vezes, esquivava-se das investidas nada normais para uma “senhora de família”, segundo o próprio Bernardo.
Marieta, a esposa, a mais nova de cinco irmãs, era muito amiga da mais velha, Joana. Não se largavam. Eram carne e unha. Ainda mais que Joana, apesar de bem casada, vivia muito só, posto que sua única filha e duas netinhas moravam a 360 Km, na capital, Campo Grande.
Assim, o marido, Marcelão, transportador de grãos, vivia muito na estrada. Chegava a passar mais de 30 dias fora. Segundo ele não havia problema. "Minha mulher, coitadinha, casa igreja, igreja casa". Então ia ele pelo tapetão preto transportando a riqueza do Centro-Oeste. "A maior delas está em Brasilândia". Nas folgas, arriscava ainda as 40 janelinhas, às vezes bem mais. “Levar vidas também é minha vida”. Além de motorista, era poético.
Marieta para curar a solidão, começou a trabalhar em um restaurante que abria para almoço e jantar e nos finais de semana funcionava como seresta. Lá se iam para uns seis meses de trabalho quanto abriu uma vaga deixada por um garçom. Então sugeriu ao patrão que contratasse a irmã, pois esta era também muito só e educada, este predicado dava garantias de bom atendimento à casa. E de quebra, uma fazia companhia a outra quando saíssem do trabalho tarde da noite.
No início, quando Marieta começou a trabalhar, aproveitava-se da carona de Mauro, segurança do estabelecimento, na sua volta para casa. O segurança, homem noivo e apaixonado por Gilmara, menina inocente de apenas dezessete anos que virou amigo da família de Marieta, passando a frequentar a casa da esposa de Marcelão junto da Mauro. Este já gozava de livre acesso à casa do casal. Talvez até por ser um rapaz, e noivo, todos confiavam nele.
O horário de saída da seresta não tardava das três e meia, embora a casa ainda se fizesse lotada e com o salão pegando fogo. Por isso, a família nem a esperava acordada, a não ser o marido Marcelão quando em casa, que só ficava com sono quando a esposa chegava. Ela chegava à cama ainda toda acesa, apesar de ainda levar cerca de cinquenta minutos no banho para tirar o ardor de gordura, cigarro e perfume impregnado daquele ar de desfrute. Deparando-se ela, na maioria das vezes, com a cena deprimente do marido a roncar igual à pequena criação de porcos da família e já "apagadinho coitado".
A irmã também não foi diferente, foi na mesma água e agora também fazia uso da carona do rapaz. Agora em três, as conversas na cabine da caminhonete ficavam muito mais agradáveis. O pequeno espaço facilitou a aproximação. A distância que antes separava Marieta e Maurinho, agora não mais existe. Embora, às vezes dividisse a empreitada com a irmã. Ou melhor, perdesse a disputa de quem iria ao lado do rapaz. É claro que longe dele, antes de chegar à porta do carro, as duas disputavam par ou ímpar para quem ficava pertinho da marcha, de Maurinho(era assim que ele era chamado em comum acordo de segredo entre as duas respeitas senhoras). Embora, já tivesse ele, notado o assanhamento das meninas. Digo assim, pela postura saltitante das duas ao entrar no carro.
A intimidade entre os três só aumentava. Sempre surgiam comentários sobre um ou outro casal cliente da seresta. Um ou outro marido que ora levava a esposa, ora chegava com a amante. Os políticos da cidade que passavam dos limites. Pastores-exímios dançarinos- que virava e mexia frequentavam à socapa o salão enquanto as esposas ficavam em casa. As risadas os aproximavam. As mãos nas pernas já eram uma constante. "Como ele aperta a perna da gente, Marieta!". "E eu não sei disso".
Um dia Marieta leva pra casa a novidade de dormir na casa da irmã, com a desculpa de que ela “não queria incomodar o marido que já poderia estar dormindo, se ela não tivesse que chegar”. “Que Joana corria riscos ao andar sozinha um trecho da estrada quando descia do carro.
No início Marcelão achou estranho, mas como os filhos apoiaram, não teve como relutar. Então de sábado para domingo Marieta só chegava em casa na hora do almoço. Mas o sono do marido ainda vinha tarde e uma noite dessas, resolve o carreteiro chegar à beira da estrada, no horário usual de chegada da esposa, apesar de ela não vir para casa diretamente conforme combinara.
Ao longe, avista ele os faróis, que julgava ser da caminhonete de Mauro, descer a pequena estradinha de terra que levava à casa da cunhada. Achou ele estranho e ficou à espreita para ver o tempo de retorno dos faróis. Iluminou a ideia de estar somente levando algum peso extra e por isso a necessidade de o carro descer até à casa de sua cunhada. Mas o carro demorou além do tempo de desembarque e de uma possível carga, desculpa essa que ele mesmo engenhou para tirar-lhe os pensamentos velozes que fizeram 360º em sua cabeça.
Ficou ele na torcida de o carro voltar. Nenhum sinal. Nada. Então retorna ele a sua casa, mas com os ouvidos na beira da estrada. Continuando a torcer para que o som do carro brindasse seus ouvidos e nada.
Então, o trinta e oito, que não saíra da gaveta desde a última ameaça de onças pela redondeza, agora, pesava a cintura do marido durante a caminhada até a casa da cunhada. Para que não fosse visto e pagasse com a vergonha do ciúme, caso o rapaz o visse, tomou ele, assim, o devido cuidado de andar pelos cantos da estrada, feito bicho escondido no mato.
Passados vinte minutos, alcançava a casa. A imaginação fervilhava-lhe a cabeça. "O que estaria fazendo um rapaz novo e noivo na casa de uma senhora casada, ou melhor com duas casadas?". Torcia ele para que alguém houvesse se sentido mal e que aquela situação se autoexplicasse. Quem sabe o rapaz não estivesse se sentindo bem... Mas se assim fosse as duas o avisariam. Chamariam. Teriam ido a sua casa e pedido auxílio. Respondia ele aos próprios questionamentos.
Chegando bem perto, viu ele as luzes apagadas. A caminhonete encostada, como se a quisessem escondê-la embaixo aos ramos das árvores. Um barulho fraquinho de chuveiro aberto vinha da báscula. Parou de respirar para ouvir. Ouviu sussurros e salvo engano gemidos, risos. Veio-lhe a inventiva de colocar algumas caixas uma sobre a outra e espiar. Assim o fez.
Nada viu durante dois ou três minutos. Apenas ouviu a água caindo e alguém no banho. Apesar de a porta do banheiro estar alguns palmos aberta. Quando foi quase surpreendido com a voz da cunhada em direção ao banheiro. "Eita". A esposa Marieta, ele não sabia. Já estava há muito ocupada. Passou-lhe ideias fúnebres na cabeça. Dali mesmo talvez nem fossem necessários três disparos.
Suportou ele cerca de longos quatro minutos a pensar nas atitudes a serem tomadas. Foram muitos pensamentos, mas a vergonha ante aos vizinhos, amigos, filhos, fez as ideias escoarem pelo ralo.
Respirou fundo e deu a volta chegando à porta da sala. Esperou. Deu um leve toque para não causar tumulto. Deu outro. Ninguém respondeu. Deu outro mais forte. Como não ouviu nenhuma voz resolveu gritar pelo nome da esposa. Baixo, é claro, para não acordar as outras casas apesar de estarem distantes. Ouvindo de lá de dentro a esposa, com a voz ofegante, perguntar o que ele fazia lá àquela hora, visto que a irmã já estava dormindo, segundo ela, pensando ele:" Mentirosa!".
Ele insistiu para entrar dizendo estar com saudade e preocupado com a esposa. Marieta abre uma fresta da janela. Bernardo insistiu para entrar. Então Marieta combinou de ir embora já que ele estava ali para fazê-la companhia no caminho para casa. Na intenção de ela abrir a porta, ele aceitou e tão logo ela abriu, colocou o pé e não mais permitiu a saída da esposa e forçou a entrada à casa.
Imaginando ela, ter ele descoberto tudo, começou a justificar uma possível traição da cunhada ao marido que estava fora. Em silêncio, ele ouvia a tudo. Marieta, mais calma, imaginava ter convencido o marido da situação constrangedora, mas que a eles nada interessava. Foi quando Marcelão sugeriu chamar o rapaz para conversar. Marieta irritou-se com a situação. Tentou desviar-lhe da investida.
Ele não arredou o pé. Exigiu a presença do rapaz à sala. Quem veio foi a cunhada. Dizendo não ter ele o direito de entrar na casa dela àquela hora e ficar fazendo exigências. Até que o rapaz toma coragem e sai do quarto. Apesar de estar com medo mais dos sermões do que de qualquer outra atitude, posto que imaginasse Bernardo ter engolido a explicação.
Sentado no sofá da sala e, com a luz acesa, espiava os três, lado a lado. Imaginou o que ouvira vindo da báscula do banheiro. Ocorreu-lhe então mandar os três desnudarem-se. Assim o fez, após tirar da cintura a arma e mantê-los à mira do revólver a uma distância segura de uns, dois ou três metros. Sentiram descobertos.
Deu-lhes um enorme susto. Tirou uma foto dos três, nus. “Hoje isso está na moda, sabiam?”. Fez confessarem tudo enquanto filmava.
Agora Bernardo queria uma explicação. Fizeram menção de abrir a boca. Marieta conhecia o marido. Nunca dera um tiro sequer. Homem calmo e de bom coração, segundo a esposa. Assim, mal começou mexer os lábios...
Solta ele um grito que segundo diziam, ressoou na última casa da cidade:
"NÃO! NÃO QUERO QUE FALE NADA. E enquanto publicava nas redes sociais, “quero apenas que vocês expliquem isso", dando, em seguida, um tiro na própria boca. Correndo todos, ainda nus, em direção ao corpo caído, para tentar apagar as fotos e o vídeo.
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Inspiração
Sempre gostei de ler contos. Gosto muito de Machado der Assis. No ensino médio dava aula de leitura utilizando o conto A cartomante. Por isso, tive essa vontade de escrever algo com um suspense e uma vontade de o leitor ficar preso até o fim da leitura buscando conhecer o desfecho e esse desfecho ficar em suspense.
Sobre a obra
O uso da linguagem poética na escrita. O fato de, autor, entrar na mente do personagem. Foram formas de construção do texto. Tive dificuldade com nomes. primeira que uso personagens. Embora seja uma vontade antiga de ter a possibilidade de um texto meu tornar-se filme... Relutei em inscrever o conto, pois eu mesmo não curto briga nem em novela.
Sobre o autor
Fui Professor efetivo de LP aqui no ES. Conterrâneo de Drummond. Sempre amei leitura de contos. Sempre muito crítico, em alguns lugares, visto como polêmico. O conto pode ter essa veia crítica e isso me encanta. Gosto dessa veia poética, esse cinismo e essa ironia no texto a partir do jogo de palavras.
Autor(a): WANDERSON MARTINS DA SILVA (Wanderson Silva)
APCEF/ES