IDADES

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De Fralda trocada, banho tomado e bem alimentado, Agostinho deleitava-se com o sol morno da manhã que lhe chegava através da janela, mesclando-se ao perfume da Colônia Johnsons Baby e do talco Pompom.

Olhando o metamorfosear-se das nuvens, associava aquela infindável mutação à sua vida. O que lhe reservava aquela terra fecunda, aquele mundo para além do azul celeste e das estrelas?

Gostaria de escrever ou de sentar num sofá preguiçoso entre amigos e conversar longamente... Daquelas conversas que parecem não ter pé nem cabeça, começo nem fim. Mas, como não lhe era permitida nem uma, nem outra coisa, resignava-se aos caprichos do futuro. Naqueles dias, a sua única certeza era a incerteza.

Ah, se dispusesse, pelo menos, de um meio de expressão para drenar aquele turbilhão de ideias que se estertorava contra as paredes do silêncio! Se escrevesse, a primeira palavra a grafar seria gratidão.

Vestido de gratidão reverenciaria os que o trouxeram à vida e às tantas mãos que o sustentaram e sustentam na sua curta estadia nesta Terra. Mãos negras e enrugadas que o deram à luz; mãos que o banharam, trocaram-lhe as roupas, alimentaram-lhe o corpo e o espírito e, ainda o fazem.

Havia quem pensasse que ele nada compreendia do que falavam ou faziam e que as lágrimas, vez por outra vertidas, eram de tristeza. Enganavam-se. As dores que o acometiam pouco significavam diante do seu alumbramento com o mundo, com a vida.

No seu entendimento, deveriam criar um novo vocábulo para se colocar entre a alegria e a tristeza, pois, não se achava alegre, mas, longe estava de ser triste. Suas lágrimas nasciam da gratidão, do amor e do carinho que, por enquanto, não podia expressar.

Ninguém imaginava, mas, naquele dia, pressentia ele algo diferente. A casa estava mais barulhenta, havia um acentuado vai e vem de pessoas...

Para relaxar e, mais profundamente, integrar-se ao todo do qual sentia-se uma minúscula partícula, fechou os olhos e se pôs a observar o entrar e o sair do ar através das narinas, até que teve a atenção desviada para uma barulheira aproximando-se do seu quarto. A porta se abriu, entraram familiares e amigos com chapéus de papelão, bexigas coloridas e apitos cantando “parabéns a você”.

O puxador do alegre cordão conduzia um bolo com duas velinhas acesas: 95.

Mais uma vez seus olhos brilharam encharcados de lágrimas. E não eram de tristeza.

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Inspiração

Motivado pelas possíveis semelhanças, no tocante às limitações e necessidade de cuidados, que envolvem a infância e a velhice.

Sobre a obra

Um texto com linguagem próxima da coloquial, com um viés filosófico.

Sobre o autor

Desde a infância tenho grande afinidade com a leitura e a escrita, o que me levou a cursar Letras. Tenho três livros publicados (poesias, contos e acadêmico). Atualmente procuro agregar aos meus escritos um viés filosófico.

Autor(a): ALDENIR DANTAS DA COSTA (ALDENIR DANTAS)

APCEF/RN

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