O Menino do Ralo

O Menino do Ralo

Era um domingo, início da noite, meu último dia de férias. Exausto depois de passar a tarde assistindo a um campeonato local de motocross, eu aguardava com certa tristeza o início do *Fantástico* na TV local, com aquela abertura já conhecida que marcava o fim do fim de semana. No banheiro, minha esposa e meu filho, que na época tinha um ano de idade, brincavam no chuveiro; ela tentando não se molhar e ele soltando os gritinhos típicos de quem está se divertindo. Minha filha, então com seis anos, ficou de olho enquanto a mãe buscava a toalha. No box havia um ralo, com uma tampa de inox aparafusada, cheia de furos arredondados de vários tamanhos e uma chaveta que abria e fechava os furos. Em um dos furos, o menino enfiou o dedo.
Minha esposa gritou, e eu, sem entender o que estava acontecendo, me levantei de um salto. Em meio ao choro (dele e da filha) e ao desespero (dela), percebi que tínhamos um problema. Nessas horas, o raciocínio falha, e a lógica se dissolve diante do risco de ver um filho se machucar. Pedi que ela mantivesse a calma enquanto procurava uma chave de fenda para retirar o ralo e tirá-lo do box. A chave nunca aparece quando a gente precisa, mas o bom e velho canivete suíço foi providencial.
Com o ralo removido e diante da dificuldade de tirar o dedinho, que já estava inchado e roxo, tomei a criança no colo enquanto minha esposa trocava o pijama por algo mais apropriado, numa rapidez que eu nunca tinha visto antes. Ela pegou o menino, e a filha, de pijama e descabelada, seguiu assim mesmo. Eu botei uma bermuda, calcei um tênis sem cadarços, peguei a chave do Fusca 1971 e partimos para o hospital.
Do nosso bairro ao centro da cidade, a distância não chegava a oito quilômetros. O trânsito de domingo à noite era tranquilo, mas sempre há um infeliz que entra na sua frente quando você tem pressa. Buzinei, pisquei os faróis e aproveitei que o insensato diminuíra para passar o quebra-molas e, sem desacelerar, passei por ele, ignorando a lombada, o susto da filha e os resmungos da esposa, que deu com a cabeça no teto.
Acelerei por uma via de mão única, coração a mil, e não havia mais ninguém à frente. Chegaríamos rápido. Em frente à Igreja de São Francisco de Assis, um cachorro atravessou a rua de repente. Travei a direção, e o caramelo ficou indeciso se ia ou ficava. Mirei o cachorro entre as rodas e segui em frente. Ouvi um barulho vindo debaixo do carro, mas, olhando pelo retrovisor, vi que ele corria sem aparentar ferimentos.
Chegamos ao hospital. Estacionei de qualquer jeito, e subimos correndo. Como de costume, fui para a recepção cuidar das formalidades. Minha filha estava ao meu lado, e uma enfermeira veio ajudar minha esposa, que agitada, parecia ser a paciente. Curiosamente, o menino não parecia sentir dor; só reclamava quando a mão ficava abaixada: "Dedo! Dedo! Dedo!"
Fomos informados de que o pediatra de plantão estava em cirurgia no Hospital Infantil, que ficava perto dali e dava para ir a pé. A enfermeira sugeriu que fôssemos até lá para tentar uma avaliação prévia do médico. Eu já tinha a impressão de que a situação não teria uma solução fácil, e a imagem de uma criança sem o dedo indicador me causava engulhos de nervoso.
Seguimos apressados para o Hospital Infantil, subimos a pequena ladeira que dava acesso à portaria e não havia viva alma. Andamos de um lado para o outro buscando alguém que pudesse nos atender, sem sucesso. Seguindo as placas indicativas, entramos no hospital em busca de algum funcionário. Passamos por um setor próximo ao refeitório e seguimos em direção à sala de cirurgia. Chegamos finalmente a uma antessala do centro cirúrgico. Havia algumas pessoas ali, entre elas uma criança com uma sacola amarrada em um dos pés e uma poça de sangue se formando ao fundo. Minha filha ficou impressionada quando disseram que o menino havia "arrancado a sola do pé jogando bola". Depois, ela me disse que imaginou o pé só com os ossinhos... Coisa de criança.
Uma enfermeira, com jaleco verde, máscara e touca da mesma cor, apareceu para nos socorrer. Pegou o menino e o levou para que o médico o examinasse. Foi um pequeno alívio para tanta angústia, mas eu ainda não conseguia imaginar como resolveriam a questão. Longos minutos se passaram, e a enfermeira apareceu novamente. De longe, observei que ela se dirigia ao telefone, discou algum número e aguardou. Consegui ouvir ela perguntando se o Sr. João (não me lembro bem o nome) da oficina estava por perto. Oficina? Como assim? Aquilo me deixou preocupado, e a resposta foi negativa. Ela entrou na sala de cirurgia sem sequer nos olhar.
Um senhor que aguardava o resultado de uma cirurgia em andamento, algo sério pelo que parecia, me disse que os bombeiros tinham um tipo de equipamento que poderia ajudar. Pelo que entendi, era algo chamado “corta-freios”. Troquei um olhar com minha esposa, a filha, descabelada e sonolenta, estava quase dormindo. Não pensei duas vezes. Dada a demora e o fato de que estavam procurando o Sr. João da oficina, achei que seria uma boa ideia procurar ajuda com os bombeiros.
Desci as escadas rapidamente, peguei o Fusca e fui até o quartel dos bombeiros. Cheguei tímido, misturando ansiedade e vergonha pela nossa negligência com o menino. Um bombeiro se aproximou e comecei a contar a saga até aquele ponto, perguntando sobre o tal “corta-freios”. Eles me corrigiram, dizendo que era um alicate de corte a frio, e aos poucos outros bombeiros foram se juntando à conversa. Um deles comentou a ideia do alicate, o outro discordou, e um terceiro sugeriu que um pequeno corte poderia ajudar. Concordaram em tentar, e um bombeiro, o maior de todos, um negro simpático e musculoso, trouxe um alicate enorme, carregado ao ombro como um tacape. Calculei que devia pesar uns 10 kg e medir uns 80 cm. Ao ver aquilo, ri de nervoso e comentei que era uma criança de um aninho. Aquele alicate parecia talhado para cortar meu filho ao meio.
No Fusca, segui à frente da viatura, um caminhão com o giroflex ligado e a sirene (graças a Deus) desligada. Eu me pegava imaginando como se daria a operação de resgate do dedo e não via solução. Chegamos à antessala, já esvaziada, e a enfermeira de verde, de braços abertos, barrou nossa entrada, dizendo: “É o menino do ralo? Está tudo certo, já foi resolvido! ”. Lembro-me de ter perguntado, angustiado e com medo da resposta, se o menino estava bem. Sim, o menino estava bem e com o dedo no lugar. Comecei a rir e a chorar ao mesmo tempo, enquanto os bombeiros me davam tapinhas nas costas. O gigante sorriu e me abraçou de lado: “Que bom, graças a Deus! ”.
Minha esposa, sentada com o menino no colo, que já dormia, e minha filha recostada ao lado, explicou que o médico havia anestesiado o dedinho, passado vaselina e, com uma gaze, comprimindo o dedo inchado e arroxeado, enrolando-a bem apertada da ponta para a base. Em seguida, desenrolou rapidamente e forçou o dedo para fora do furo. Com a compressão, o dedo diminuiu de volume e saiu, com apenas alguns arranhões.
No fim, chegamos em casa exaustos, mas aliviados. Alguns dias depois, fomos ao pronto-socorro para uma avaliação da mobilidade do dedo, para verificar se houve algum dano interno. Do atendente ao médico, todos comentavam: “É o menino do ralo! ”. Só depois entendi que a enfermeira de verde havia contado a história, mencionando o “pai apavorado que chamou os bombeiros”. Pois é, virei piada, e meu filho, por muito tempo, nos atendimentos de praxe (gripe, resfriado, tosse), foi lembrado como o menino do ralo.
Alguns dias depois, o dedo de meu filho estava completamente recuperado, e ele já voltava a brincar como se nada tivesse acontecido. No entanto, o que ficou marcado, além de toda a aventura, foi a forma como cada pequeno detalhe daquela noite ressoou em nossas vidas. A cada banho, o ralo do box virou motivo de brincadeira, mas também de atenção redobrada. E, sempre que alguém mencionava os bombeiros, minha filha dizia com orgulho: "Eles vieram salvar o dedo do meu irmão!"
Hoje, o Fusca já não faz parte da nossa garagem, mas as lembranças daquela noite, repletas de susto, carinho e união, continuam vivas na memória de todos nós. Afinal, é nas histórias que se constroem as lembranças mais valiosas.

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Inspiração

A situação relatada é verídica e repercute ainda hoje na família.

Sobre a obra

Conta a situação vivenciada por nós, quando meu filho caçula prendeu o dedo em um ralo de aço inoxidável e a aventura que se seguiu até a solução feliz.

Sobre o autor

Escrevo ocasionalmente, não tenho uma técnica apurada, mas me apraz escrever, especialmente crônicas e contos.

Autor(a): ALEXANDRE GONCALVES PEREIRA (Alexandre Gope)

APCEF/ES


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